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CHAVE DO COFRE
Personagem administrou R$ 33 milhões na campanha de Lula e trabalha na reestruturação do partido
Tesoureiro turbina campanha do PT de 2004
RUBENS VALENTE
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Dono da chave do cofre da campanha que elegeu o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva e o menos conhecido personagem da
cúpula petista, Delúbio Soares de
Castro, 48, já saiu a campo para
colocar em prática um ambicioso
projeto de reestruturação material e política do PT para as eleições municipais de 2004.
A missão do ex-tesoureiro de
Lula e atual coordenador financeiro do PT passa por questões
práticas, como a criação de uma
rede de 7.000 computadores pessoais, orçados em cerca de R$ 20
milhões, pela qual os diretórios
estaduais e municipais receberão
as orientações do comando partidário para 2004.
E avança para tarefas políticas,
integrado ao desafio que o partido
terá pela frente para formar candidaturas municipais que não
causem abalos sérios na base aliada no Congresso Nacional.
Ao lado do secretário de Organização do PT, Sílvio Pereira, Delúbio Soares está por trás da campanha de filiação em massa da legenda, que pretende ultrapassar 1
milhão de filiados. Com isso, o
partido quer aumentar sua receita
atual de R$ 43 milhões anuais.
Delúbio assumiu a nova tarefa
com a mesma característica que o
fez cruzar toda a disputa presidencial sem protagonizar um único episódio negativo para o PT: a
discrição (em toda a campanha,
há registro de uma entrevista coletiva de Delúbio, concedida ao lado de outros petistas).
Numa campanha ultranoticiada, é uma façanha o tesoureiro do
partido vencedor da vaga mais
cobiçada da República, que administrou um caixa oficial de R$ 33
milhões, ter passado tão despercebido. E assim ficou: ele é um dos
dois únicos importantes nomes
da campanha de Lula que foi
mantido fora do governo -o outro "sem-cargo" é Silvio Pereira.
O goiano de Buriti Alegre (a 200
km de Goiânia), quase na divisa
com Minas Gerais, reage com precaução quando é confrontado
com perguntas mais delicadas.
Teve atrito sério com algum empresário durante a arrecadação de
recursos? Alguém o procura para
fazer pedidos ao governo federal?
Chegou a ser sondado para ocupar um cargo no governo?
Acompanhadas de um sorriso,
as respostas de Delúbio sobre temas assim são quase sempre as
mesmas: "Sobre isso não quero
falar" ou "não posso contar todas
as fontes". Delúbio parece não se
esforçar para convencer o interlocutor das razões das suas reservas.
Ele apenas meneia a cabeça e muda de assunto. O não-confronto é
parte de seu estilo.
Em compensação, deixa escapar frases diretas, como: "Banqueiros são muquiranas". Sorri e
fecha o punho para mostrar a dificuldade que tinha com o setor durante a campanha presidencial.
Ou então: "Doação grande é acima de R$ 100 mil".
Os banqueiros "sovinas" injetaram recursos na campanha de Lula como nunca -foram R$ 4,9
milhões do setor financeiro. A liderança nas pesquisas, disse o ex-tesoureiro, facilitou o recolhimento de recursos. Nada comparável com as campanhas anteriores. Na de 1998, segundo ele, houve uma "violenta pressão norte-americana" contra a candidatura
Lula. As matrizes das empresas
norte-americanas teriam orientado as filiais no Brasil a não fazer
doações para o petista. "Senti na
pele", disse Delúbio. Dessa vez, os
americanos não teriam "nem ajudado nem atrapalhado".
Pré-condição
Em determinado momento da
campanha de 2002, os principais
executivos das indústrias do fumo
(lideradas pelas empresas Souza
Cruz e Phillip Morris) receberam
Delúbio em reunião e quiseram
saber o que Lula "poderia oferecer" ao setor, caso vencesse a eleição. O tesoureiro afirmou ter sido
sincero com os empresários. Disse que ressaltou três pontos, o
combate à pirataria dos cigarros,
o "arrocho" -o termo, diz ele, foi
esse mesmo- dos impostos e a
proteção à saúde do consumidor.
O discurso foi bem compreendido pelos empresários. O setor
não doou um único centavo de
real para a campanha de Lula.
Alguns relacionamentos entre
os empresários e o tesoureiro se
prolongam além das campanhas.
E se mostraram decisivos para
um e outro lado nesses primeiros
meses de governo Lula.
O usineiro José Pessoa de Queiroz Bisneto, 43, é um dos três amigos empresários mencionados
pelo tesoureiro a pedido da Folha
(os outros são Horacio Lafer Piva,
presidente da Fiesp, e Armando
Monteiro, presidente da Confederação Nacional da Indústria).
José Pessoa confirma a amizade
com Delúbio de "mais de dez
anos". As nove usinas de álcool do
grupo J. Pessoa, considerado o segundo maior do país, giram R$
500 milhões por ano e empregam
11 mil pessoas em cinco Estados.
Na primeira crise que atingiu o
setor sucroalcooleiro no governo
Lula, José Pessoa -que também
é amigo do governador do Mato
Grosso do Sul, Zeca do PT- procurou o ex-tesoureiro do presidente e o próprio Lula.
O governo se mobilizou em torno do assunto. Ministros foram
convocados pelo presidente para
achar uma saída. O resultado foi
um acordo pelo qual os produtores de álcool se comprometeram a
antecipar o início da safra em um
mês e a segurar os preços, enquanto o governo incentivou as
montadoras de veículos a investir
na fabricação de carros que podem ser abastecidos tanto com
gasolina quanto com álcool.
A estratégia afastou a crise e
rendeu lucros para os empresários, que estimam que as usinas
brasileiras deverão produzir neste
ano 12,5 bilhões de litros de álcool, contra 11 bilhões em 2002.
"O setor está encantado com o
Lula", disse José Pessoa. Ele contou ter conhecido o presidente,
Delúbio e outros atuais ministros
petistas quando passou a incentivar, entre os usineiros, a adoção
de práticas contrárias à exploração de trabalho escravo e infantil.
De Delúbio, o empresário destaca duas características: "Humildade e lealdade". "O poder não
lhe subiu à cabeça. E é muito leal
ao Lula e ao José Dirceu [Casa Civil]." Curiosamente, José Pessoa
disse não ter feito nenhuma doação em dinheiro a Lula, mas, sim,
"trabalhado para quebrar os preconceitos dos empresários com o
PT e vice-versa".
Software
Mesmo empresários que não tiveram maior contato com o PT ao
longo dos anos já perceberam que
Delúbio pode ser um importante
elo de comunicação com o governo. A Assespro (Associação das
Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação, Software e Internet), que reúne 1.200 empresas
de informática, decidiu, no final
do ano passado, criar um "conselho consultivo", elegendo 32 políticos e funcionários públicos.
Nesse grupo, há apenas um representante da burocracia de um
partido político: Delúbio.
Em seu site, a associação diz que
foi criada há 25 anos com o objetivo de "defender a sobrevivência
das empresas brasileiras de software, garantindo-lhes reserva de
mercado e preferências em licitações públicas". A Assespro explica o que tem feito para "ampliar o
mercado interno", levando em
conta "o poder de compra do Estado": "Iniciado um trabalho de
divulgação mais amplo do software brasileiro junto a órgãos do
governo e a estatais".
Há no governo Lula um intenso
debate sobre os rumos da política
estatal para a área de informática,
um negócio de R$ 2 bilhões
anuais. Parte expressiva dos petistas defende o uso do software livre
e de programas desenvolvidos
por brasileiros-em contraposição a interesses das gigantes multinacionais, como a Microsoft.
É nesse contexto que se encaixa
a ofensiva diplomática da Assespro. O presidente da entidade, Ernesto Haberkorn, conta que a escolha dos "conselheiros consultivos" é parte da estratégia de divulgação do software brasileiro.
Ele conhece Delúbio de nome,
mas não sabe exatamente quem,
dos empresários associados,
achou por bem incluí-lo entre os
conselheiros da entidade.
Outros conselheiros ouvidos
pela Folha explicaram tratar-se
de um título honorífico, sem remuneração ou obrigações. Em
uma cerimônia, no final do ano,
cada um ganhou um diploma de
conselheiro. De lá para cá, só receberam informativos da entidade.
Ex-tesoureiro de Lula tem a missão de construir uma rede de computadores para a campanha municipal de 2004
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"Nunca mais me procuraram. É
mais um serviço de divulgação
deles", contou o senador e conselheiro da Assespro Eduardo Azeredo (PSDB-MG).
Delúbio não compareceu ao
evento de distribuição dos diplomas e disse que nunca agendou
nenhuma reunião com integrantes do governo a pedido da Assespro. O coordenador financeiro do
PT demonstra entusiasmo ao falar sobre informática. "A nossa
obsessão é ter o partido informatizado em todo lugar." Talvez isso
explique a homenagem feita pela
Assespro, imagina Delúbio.
Indagado sobre a frequência
com que hoje conversa com Lula,
responde: "Evito ir ao Palácio".
Mas acrescenta: "Temos acesso a
todos os ministros para tratar de
questões do PT".
Sindicalismo
O ex-tesoureiro é também relacionado com a cúpula da administração municipal de São Paulo.
Sua mulher, a psicóloga Mônica
Valente, 43, foi chefe de gabinete
da prefeita Marta Suplicy (PT) entre 2001 e 2002 e hoje é secretária
municipal de Gestão Pública
-tem um dos menores orçamentos da prefeitura, R$ 14 milhões anuais, mas gerencia toda a
folha de pagamento do município, de R$ 3,8 bilhões.
"Eu e Delúbio somos pessoas
jurídicas diferentes", brinca a secretária, alegando que o casal não
discute assuntos partidários ou
funcionais. "Nem sei quanto ele
ganha", diz Mônica, referindo-se
ao salário de Delúbio no PT (cerca
de R$ 5 mil mensais).
O interesse do petista pela informática tem a ver com sua formação educacional. Delúbio é bacharel em matemática na Universidade Católica de Goiás e tem mestrado incompleto pela USP. Seus
pais são analfabetos, e, quando fala sobre isso, ele se emociona.
Cresceu aprendendo que certos
lugares da sala de cinema eram
"reservados" aos filhos da elite,
um pequeno apartheid social da
Buriti Alegre dos anos 60.
Delúbio teve uma infância pobre, na lavoura. Não abandonou
pelo menos dois hábitos dessa
época, dormir pouco e acordar
cedo. "O que eu me lembro é que
ele trabalhava muito pelo partido,
não tinha feriado nem final de semana", conta a deputada federal
Neyde Aparecida (PT), 51, amiga
de Delúbio. O grupo deles fundou
a Central Única dos Trabalhadores goiana. No anos 80, Delúbio
seguiu para a direção nacional da
CUT e, de lá, para o PT.
Chegou à cúpula do partido em
1995, na gestão de José Dirceu.
Aniversário
Delúbio costuma dormir à 1h e
acordar às 5h30. Ele não parece se
incomodar com a fama de "matuto". Indagado sobre os livros que
mais marcaram sua formação, dá
uma resposta irônica: "Olha, o
que mais me impressionou foi a
dificuldade da vida mesmo".
Nos últimos tempos, leu uma
biografia da rainha egípcia Cleópatra e ganhou a autobiografia do
escritor colombiano Gabriel García Márquez, do qual se declara fã.
Não cita nenhuma referência esquerdista (admira Mahatma Gandhi). Em contrapartida, ficou uns
20 anos sem tomar Coca-Cola, em
protesto "contra o imperialismo
ianque". Hoje gosta de passear em
Nova York e na Europa. Aprecia
charutos caros, mas zomba da
qualidade do relógio de segunda
linha que usa ("vive parado").
Delúbio viaja tanto que diz não
se lembrar da última vez em que
passou uma semana inteira em
São Paulo. Começou a passada
em São Paulo, foi a Belo Horizonte (MG), passou por Brasília e voltou a São Paulo na quinta-feira,
dia do seu aniversário. Na quarta,
a filial brasiliense do restaurante
"Porcão" fechou um salão para
comemorar a data. Segundo a casa, que cobra em média R$ 43 por
refeição, cinco ministros de Estado apareceram, entre os quais José Dirceu (Casa Civil) e Benedita
da Silva (Assistência Social).
Por circular entre tantos políticos e conhecer a máquina do partido como poucos, era quase natural que Delúbio fosse tentado a
disputar um mandato parlamentar. E isso ocorreu. Ele revela que,
em 2002, queria se lançar a uma
vaga de deputado federal por
Goiás -idéia abandonada após o
convite para que integrasse a
campanha de Lula. O ex-tesoureiro não dá sinais de que abandonou o projeto. Talvez só o tenha
adiado para 2006.
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