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JANIO DE FREITAS
Palavras em cena
Os ditadores também são
amados. Agora revelada, a
reaparição de Saddam Hussein
em praça pública, no dia mesmo
em que Bagdá era invadida, é
mais do que outro dos divertidos
deboches do ditador com Bush e
com o aparato que atacou o Iraque. O vídeo mostra, além da desafiadora permanência de Saddam na própria capital, uma empolgação do povo, ao vê-lo e ouvi-lo, maior do que a soma de tudo o
que as câmeras ocidentais captaram de boas-vindas iraquianas
aos "libertadores".
Diante da péssima repercussão
mundial ao arruinamento do Iraque, o que restava a Bush e a
Tony Blair era a desculpa da "libertação": nem remotos vestígios
de armas de destruição em massa
foram encontrados. As crescentes
manifestações de repúdio à presença anglo-americana, com a pitada desmoralizante acrescentada pelo ditador caçado, põem em
xeque a "libertação".
A cena da semana foi proporcionada por Saddam, mas a frase
mais importante foi de Bush, dita
em discurso: "Agora que o Iraque
está libertado, as Nações Unidas
deveriam suspender o bloqueio
econômico". A mídia não se interessou pelo alcance da frase.
A decretação do bloqueio há 13
anos, liderada na ONU pelos Estados Unidos, deixou sua suspensão condicionada à comprovada
inexistência de armas de destruição em massa. Ao propor o desbloqueio, Bush reconhece a inexistência das armas, que tanto
afirmou ter provas de existirem. E
declara a falsidade dos motivos
que levaram à guerra.
Ninguém mais indicado para
fazê-lo.
Duas frases
Entre uma e outra das suas sessões de confraternização no FMI,
o ministro Antonio Palocci informou haver estudado a história
brasileira para não incorrer em
velhos erros: "Eu só gostaria de
cometer erros novos".
Ou estudou com proveito duvidoso, ou não é tão exigente quanto à novidade dos erros. É o que
atesta sua decisão de ser a continuidade de Pedro Malan. Até no
gênero de frases para a imprensa.
Por sua vez, e dentro da programação de retorno à ênfase de
candidato, Luiz Inácio Lula da
Silva assegura que "acabou o
tempo em que o amigo do rei conseguia os empréstimos (...)".
Mas tal novidade inclui TV riquíssima? O esclarecimento só virá em mais algum tempo. E, até
lá, convém lembrar que nem só de
empréstimos se faz a transferência de dinheiro dos cofres públicos
para caixas privados. A publicidade desnecessária, mas muito
bem paga, é um dos outros veios.
Direitos e direitos
O vice-prefeito de São Paulo,
Hélio Bicudo, distinguiu-me com
um comentário, sob a forma de
artigo, na Folha de quarta-feira.
A seu ver, meu texto "Direitos desumanos" não foi formulado com
"palavras criteriosas e de bom
senso". Não seria a primeira vez,
mas, neste caso, não estou convencido pelas palavras tão mais
ilustres que as minhas, de leigo
absoluto. E fiquei em dúvida sobre os critérios e o bom senso do
vice-prefeito ao formular seu comentário.
Hélio Bicudo contesta, de início,
que a origem dos direitos humanos esteja na esquerda. Considera
que "foram as últimas guerras européias do século 19 e os conflitos
mundiais de 1914-18 e 1939-45
que despertaram a consciência
mundial para o problema dos direitos fundamentais da pessoa
humana". Mesmo que não fosse
mais longe, como deveria, pelo
menos ao século 18 é indispensável reconhecer seus ideais e lutas,
tão nítidos nos alicerces das grandiosas Revoluções Francesa e
Americana.
Hélio Bicudo ampara sua opinião cronológica na sequência
dos tratados envolvendo direitos
da pessoa. É evidente confusão
entre formulações jurídicas e os
princípios e idéias que os precederam, estes sim, e só estes, referidos
em meu texto. Sendo a direita,
por definição, conservadora, os
que pregaram idéias e lutaram
contra a pressão constituem a
corrente genericamente chamada
de esquerda. Denominação mais
que secular, se não esquecermos a
"gauche" original francesa.
Embora tendo esclarecido que
comentaria artigo meu, Hélio Bicudo faz críticas a temas de que
não tratei, e os deixa indevidamente ligados a mim: julgamento
que fuja ao "devido processo legal"; progressividade das penas;
esquecimento de que "ao nosso
lado residem a miséria, a fome e o
desemprego", e outras considerações nesse gênero. Não creio que
nessas atribuições indevidas haja
o critério e o bom senso não encontrados por Hélio Bicudo no
texto comentado.
Quanto ao que estava mesmo
no meu texto, reafirmo a convicção de que direitos humanos não
podem ser invocados para dar a
preservar o direito anti-humano
de certos criminosos comandarem, de dentro da cadeia, ações
que matam inocentes e infernizam cidades. A respeito, diz Hélio
Bicudo: "o que está acontecendo
se deve à corrupção e à violência
que ali [nas prisões] fazem praça". Mas quem corrompe, com altas somas obtidas no crime e com
ameaças inclusive a famílias, são
os mesmos mandantes das violências aterrorizantes.
A receita de Hélio Bicudo é impecável e óbvia: "precisamos investir naquilo em que nunca se
investiu com seriedade: a reforma
dos aparelhos policial e judicial e,
como consequência, no próprio
sistema penal". Perfeito. E até que
haja o efeito dessa reforma de
longo prazo, devem pessoas inocentes continuar morrendo queimadas em ônibus, em trens, baleadas de morte nas calçadas, nos
carros, dentro de casa, só porque
foi suspensa ou adiada a visita íntima a um chefão encarcerado do
narcotráfico?
O artigo criticado por Hélio Bicudo criticou os protestos da esquerda, em nome dos direitos humanos, contra o projeto que autoriza o isolamento, por até 360
dias, dos criminosos encarcerados
que continuem comandando crimes. Sou testemunha do que está
ocorrendo no Rio. Só posso reiterar o artigo "Direitos desumanos".
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