|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Estudioso da UFRJ acredita que medidas tomadas no início foram fundamentais, mas faltam ainda projetos estratégicos
Historiador critica "arrogância" do governo
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
Março de 1985. O então presidente João Baptista Figueiredo
deixa o cargo e pede ao povo que
o esqueça. A história não permite
-o último general do regime militar passou a ser lembrado por
declarações como aquela.
Julho de 2003. O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pede na Europa que não o julguem por apenas
seis meses de governo. Para o historiador da UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) Manolo Florentino, 45, isso não é possível. Na sua opinião, o Executivo
não tem levado em conta a história do país ao manter uma relação
"arrogante" com os aliados e com
os outros Poderes. Leia a seguir a
entrevista que foi concedida por
Florentino à Folha, por e-mail.
Folha - Como o sr. avalia a administração Lula depois de pouco
mais de seis meses de governo?
Manolo Florentino - Não adianta
o presidente pedir para que não o
julguem por apenas seis meses,
como antes não adiantou ao general Figueiredo pedir que o esquecessem. A dinâmica da política não se assemelha exatamente à
da complacência amorosa. Se as
medidas macroeconômicas tomadas no início foram fundamentais para sinalizar ao mercado que o novo governo não era
composto por um bando de lunáticos, por outro lado chega um
momento em que, para ser mais
efetiva, a ação política deve levar
em conta a estrutura do establishment e a própria história do país.
A esse respeito, foram altas as doses de arrogância do Executivo
em relação aos outros Poderes.
Além disso, faltam projetos a setores estratégicos, talvez em função da ausência de quadros. A
agricultura vai bem, obrigado,
mas isso já por longos 13 anos. A
educação e a saúde, por sua vez,
continuam verdadeiros desastres
e sem perspectivas de melhora.
Folha - Em entrevista à Folha, no
fim do ano passado, o sr. disse que
Lula venceu porque soube capitalizar o sentimento de mudança. As
mudanças prometidas por Lula, ao
que parece, não têm se concretizado, pelo menos na economia. Para o
sr., que tipo de consequências isso
pode trazer ao PT, à oposição e à sociedade que acreditou no PT?
Florentino - Muitas vezes se tem
a impressão de que Lula continua
agindo como se ainda estivesse
em campanha. Esse não é exatamente o melhor caminho para
enfrentar a natural volatilidade de
uma opinião pública que tem dado mostras de ser profundamente
ativa e que, do mesmo modo que
depositou todas as fichas em Lula,
rapidamente pode tirar-lhe o tapete. Para piorar, as eleições municipais se aproximam e há indícios de que a sucessão está querendo entrar em pauta da maneira mais extemporânea possível.
Folha - Como o sr. interpreta o fato de Lula ainda manter bons índices de popularidade, mesmo não
tendo feito mudanças estruturais?
Florentino - A popularidade do
Lula permanece alta, mas há números recentes que indicam queda. Por sua própria história e mérito, Lula é um mestre em falar para os grotões, sua palavra encanta,
organiza. Mas o Brasil não é só
grotão. Aliás, os grotões sempre
decidiram muito pouco entre nós
-a escravidão foi o sistema mais
estável de nossa história.
Folha - Frei Betto, assessor especial da Presidência, disse em uma
entrevista recente que o PT conquistou o governo, mas não o poder. Anteontem, o ex-presidente
FHC corroborou essa tese ao dizer
que Lula pode menos do que pensa. O sr. concorda com isso?
Florentino - A distinção entre
governo e poder só tem sentido
em se tratando de projetos revolucionários, o que definitivamente não é o caso. Logo, seu fundamento é atualmente meramente
acadêmico. No Brasil, governo
sempre significou poder, e muito.
Mas há inúmeros micropoderes
com os quais o governo deve interagir, de preferência sem arrogância, pois pode dar com os burros
n'água. A esse respeito o episódio
da reforma da Previdência pode
ensinar muito ao encaminhamento das reformas tributária e,
sobretudo, política.
Folha - O ex-deputado e petista
Plínio de Arruda Sampaio disse que
o governo Lula tem aplicado o "plano A plus", que é o "plano A" de
FHC com o "plus", que são as reformas constitucionais. Arruda diz
que ainda tem esperanças de que
Lula apresente um "plano B". Para
o sr., por que o governo petista tem
agido dessa maneira? Medo de melindrar o mercado e o FMI?
Florentino - O governo tem sido
extremamente prudente no campo econômico. A razão é simples:
não se inventa a roda em economias de mercado. Mas, mesmo
para o mais heterodoxo dos economistas, é difícil entender que
um país com deflação conheça as
mais altas taxas de juros do mundo. A situação está tão deteriorada que talvez exija medidas de impacto imediato, como projetos
que impliquem a utilização maciça de mão de obra. Sobre o longo
prazo, porém, ninguém em sã
consciência pode falar muito. Não
se sabe exatamente o que virá.
Folha - Lula dizia que queria fazer
um pacto social com todos os brasileiros. Ele está conseguindo isso?
Florentino - No Brasil não há
pacto sem o mínimo de inclusão
-e ponto final. Disso estamos
longe e, pior, sem perspectivas
concretas. Seis meses é pouco para resultados, mas não para ao
menos apresentar projetos de
médio e longo prazos.
Texto Anterior: Neo-oposição: Economista do PSDB nega "herança maldita" Próximo Texto: Orçamento petista: Lula gasta mais em publicidade que em obras Índice
|