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Gabeira revê 79 e ataca "sonho burguês" do PT
Ex-guerrilheiro e precursor da "política do corpo" , deputado diz que narcisismo já teve papel progressista e sustenta que Lula e o PT agem como "emergentes" do poder
PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
No verão de 1979, Fernando
Paulo Nagle Gabeira -terrorista
para o regime militar que o exilou
por nove anos- chegou às areias
de Ipanema com idéias escaldantes e uma tanga mínima. Havia
desistido de incursões revolucionárias como o seqüestro do embaixador americano dez anos antes -que o levou à cadeia e depois ao exílio- para defender
uma tal "política do corpo", que
pressuponha do defensor "o desemperrar da cintura de macho
latino", como se dizia à época.
Naquele mesmo ano, lançou "O
que É Isso, Companheiro", livro
em que descrevia a perplexidade
da esquerda ortodoxa com comportamentos heterodoxos para
aqueles tempos. Em 1980, anunciou o "crepúsculo do macho",
engajou-se na defesa dos direitos
de minorias e estimulou a renovação da agenda política nacional.
Vinte e cinco anos depois, o deputado federal Fernando Gabeira,
63, diz que o exílio o enriqueceu
filosoficamente. "Jamais vou pedir um tostão à ditadura militar,
mas também não dou para eles
um tostão. Estamos quites."
Vive hoje a "angústia do tempo
futuro". Está sem partido. Saiu do
PT por discordar dos rumos do
governo Lula e amadurece a idéia
de deixar a política ao final de seu
mandato, em 2006.
Chama os petistas de "deslumbrados, emergentes, aburguesados, impostores históricos".
Na eleição deste ano, Gabeira
apóia César Maia (PFL) à reeleição à Prefeitura do Rio.
Descobriram, deslumbrados, que o mais importante é ficar no governo e secundário o que será do país. A presidência para Lula é uma ascensão material
Folha - A Anistia
faz 25 anos, ao lado do início do que
se batizou de "política do corpo".
Como vê hoje uma
e outra?
Fernando Gabeira - No momento
da Anistia, conjuntamente com a
ruína das religiões, havia o debacle das grandes
explicações políticas do mundo, sobretudo da grande
religião laica que
era o marxismo. E
surgiam reivindicações e lutas que
o marxismo, por
suas características, não podia dar
conta delas: liberdade do corpo, a
questão das mulheres, do sexo, do
racismo. Tudo isso ganhava força
em razão de duas componentes
novas: o indivíduo e o presente, o
aqui-e-agora. Não havia mais o
futuro que a religião dava -o reino dos céus. E muito menos o fim
da exploração do homem pelo
homem -o paraíso socialista.
Vinte e cinco anos depois, percebeu-se que a própria idéia do
desenvolvimento do corpo, de todas as aspirações individuais, passou a ser também um mito.
Folha - O sr. vê acúmulo de frustração no campo político?
Gabeira - Lutamos para a ascensão de um governo de esquerda,
sem perceber que o instrumento
de mudança que era o Estado estava cada vez menos importante.
É estreita a margem de manobra
no mundo globalizado.
Folha - Lula e o PT decepcionam?
Gabeira - Existe hoje a absolutização do desenvolvimento econômico e o fetiche matemático.
Estamos crescendo 4%! Não se
pode em razão do crescimento de
4% deixar de problematizá-lo. O
que estamos vendo é a utilização
disso como fetiche para evitar outros temas. Blindam o Henrique
Meirelles, porque não podemos
reter o crescimento econômico. O
Delúbio Soares, ao sair do Palácio
do Planalto, foi questionado porque havia ido até lá depois de tanta agitação na imprensa a respeito
da imagem dele. E ele respondeu
que o importante era o crescimento econômico. Qualquer
questionamento ético é contra o
crescimento econômico.
Folha - O que é o projeto petista?
Gabeira - Existe uma vontade
deles de se perpetuar no poder.
Ficou muito claro que, ao chegarem ao governo, eles descobriram, deslumbrados, que o mais
importante é ficar no governo e
secundário o que será feito com o
país. A sucessão de frases como as
do José Dirceu - "a principal tarefa é a reeleição de Lula"- ou do
próprio Lula -de querer saber
como ficar 37 anos no governo-
mostra isso. Eram pessoas que viviam como uma certa dificuldade
e de repente encontram esse universo de ascensão material. A presidência para o Lula é uma ascensão material. Ele desfruta de recursos e possibilidades materiais
muito maiores do que quando estava na oposição.
Em primeiro lugar, eles vão tentar canalizar o que puderem de
excedente para um trabalho social que mantenha as populações
mais pobres na condição de clientes. Em segundo lugar, vão utilizar toda a força que têm -a sedução ou a ameaça- para garantir
que a mídia os consagre. Na mídia, eles não dão tanta importância aos jornais. Dão à TV. Vão tentar essa manobra do pão e circo.
Até que ponto vai dar certo, vai
depender da capacidade deles.
Folha - O sr. viveu nove anos no
exílio e nunca pleiteou indenização, como faculta a lei. Por quê?
Gabeira - Considero que algumas pessoas, que foram injustiçadas, perseguidas, de fato mereciam aposentadoria especial e indenização. No meu caso, não perdi nada com esse processo. Fui
para o exílio e voltei enriquecido.
Jamais vou pedir um tostão à ditadura militar, mas também não
dou para eles um
tostão. Estamos
quites. Há pessoas que efetivamente foram esmagadas que precisam dessa reparação. Mas ela deveria seguir critérios para não ser
politicamente
desvairada. Se você lutou por uma
sociedade com
menos diferenças
é contraditório
receber uma indenização de R$
20 mil por mês
como alguns tiveram. Indenização
essa por ter lutado
por uma sociedade de iguais!
Choca-me o fato de o PT ter
passado na frente sindicalistas
que aguardavam indenização.
Pessoas bem colocadas, que não
tiveram um confronto tão grande
com a ditadura. Deveriam estabelecer critérios mais rígidos. Os petistas do governo mostraram que
eram apenas emergentes, que estavam apenas querendo chegar à
burguesia. O sonho deles era esse.
Folha - Seu rompimento com o PT
parece definitivo.
Gabeira - Tenho a impressão de
que não votarei nunca mais no
PT. Não gosto de impostores.
Folha - Como se dizia nos anos 70,
eles venceram?
Gabeira - Não diria que eles venceram. Já não sei mais quem são
eles e quem somos nós. Não tenho essa visão de que estamos em
decadência, cada vez piores. Tenho a visão de que é preciso avançar. Não há mais no horizonte nenhuma transformação radical. O
que há é a administração do real e
um avanço estratégico da democracia. Eu, surpreendentemente,
sempre me vejo na oposição.
Folha - "O Que É Isso, Companheiro" completa 25 anos também.
Imaginava o bordão tão atual?
Gabeira - "O que é isso, companheiro" expressa uma perplexidade com atitudes que você toma e
que dificilmente são encaixadas
no quadro de esquerda. No caso
atual, "o que é isso, companheiro"
vale porque não compreendemos
se estamos dando um passo
adiante. Não sinto que o Brasil tenha dado um passo adiante com a
vitória de Lula. Em muitos campos, sinto até um retrocesso.
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