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ENTREVISTA
Ex-ministro de FHC diz que PT não tem agenda para retomar crescimento e sugere que BNDES precisa de divã de psicanalista
Mendonça prega estatização do setor elétrico
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações do
governo Fernando Henrique Cardoso, o economista Luiz Carlos
Mendonça de Barros tem uma receita inusitada para desatar o nó
do setor elétrico do país: a reestatização. "Estou convencido de
que tem que voltar tudo pra trás.
Estatiza. As empresas privadas
que estiverem bem, tudo bem. O
que não estiver, volta tudo pro Estado", diz Mendonça. "Estou convencido de que enterraram uma
caveira de burro lá [nas Minas e
Energia], ironiza o ex-ministro
diante da sucessão de erros que
identifica nas tentativas frustradas de reestruturação do setor.
Crítico histórico do malanismo,
Mendonça elogia a rendição do
PT à ortodoxia para enfrentar a
crise econômica no horizonte
imediato. Mas faz ressalvas sérias.
Vê, em primeiro lugar, oportunismo político na conversão dos
cristãos novos do neoliberalismo,
o que os tornaria suspeitos diante
dos mercados. Além disso, avalia
que o PT não tem agenda ou propostas para dar o próximo passo
-enfrentar a vulnerabilidade externa da economia brasileira-, o
que levará o governo de Luiz Inácio Lula da Silva a reeditar o "stop
and go" circular e frustrante dos
anos FHC.
Sinal dessa miopia estratégica
da esquerda para o crescimento
seria, segundo Mendonça, o papel
marginal do BNDES dentro do
governo. "O banco não só não sabe qual seu papel no governo como ainda está mergulhado numa
crise de identidade total", afirma.
Leia a seguir a entrevista concedida à Folha na última sexta, na
casa de Mendonça de Barros.
Folha - Em entrevista à Folha dias
após a vitória de Lula, o sr. disse
que se o governo quisesse ser bem
sucedido teria que "passar vergonha" no primeiro ano para poder
ter possibilidade de algum êxito
nos outros três. Elevação da taxa
de juros, meta superávit maior...
Estamos no bom caminho?
Luiz Carlos Mendonça de Barros -
Acho que naquela época já estava
claro, mas hoje tenho mais claro
que um dos fatores mais importantes na decisão que foi tomada
-que foi exatamente a de passar
vergonha mas enfrentar a crise-
foi o que aconteceu na Argentina.
A Argentina tinha mostrado ao
PT que aquele caminho da moratória para interromper o pagamento de juros e sobrar recursos
para investimento aqui dentro levava a uma situação caótica.
Esse fator histórico, essa crise
aqui na nossa fronteira foi muito
importante. Hoje nós sabemos,
até pelo testemunho do [ministro
Antonio" Palocci, que essa decisão já havia sido tomada em junho. O que abre um espaço muito
interessante para perguntar, se
eles tomaram essa decisão bem
no começo da campanha, por que
não passaram isso à população.
Isso foi uma decisão de cúpula,
ocultada da opinião pública e,
pior ainda, ocultada dos próprios
militantes do PT.
Veja: se você recuperar o que o
Lula falou sobre o aumento da taxa de juros em dezembro, quando
já estava eleito... Ele atacou a decisão dizendo que era uma medida
recessiva e que servia apenas para
aumentar o lucro dos bancos. É
realmente aí uma postura de uma
demagogia e de uma mentira extraordinária, que nem precisava.
Folha - Houve estelionato?
Mendonça de Barros - Em termos de economia, eles simplesmente assumiram o discurso do
ministro [Pedro] Malan. Mantiveram os mesmos instrumentos
de ação. Podiam ter mantido o
compromisso com a ortodoxia
tendo promovido correções que
já tinham sido debatidas o suficiente sobre os instrumentos do
Malan. Nem isso fizeram, com
medo...
Folha - Dos mercados.
Mendonça de Barros - É. "Eu não
tenho credibilidade... Todo mundo sabe que eu estou fazendo uma
coisa aqui meio de mandraque,
não sou eu, não é o meu público..." Então ficaram com medo. É
a mesma história do sujeito que
não estuda, que cria a imagem de
um sujeito vagabundo. Em algum
momento que ele precisa mudar a
imagem, tem que estudar mais
que o sujeito que vinha estudando
na média. Foi isso que aconteceu.
Do ponto de vista efetivo da
economia, eles permitiram com
essa atitude que esse processo de
ajuste da balança de pagamentos
terminasse e nós chegássemos
agora com esse equilíbrio, que é
um equilíbrio instável, calcado na
recessão. Mas você não pode
manter o país eternamente assim.
Folha - O que o sr. prevê para os
próximos meses?
Mendonça de Barros - Com essa
estabilização no nível atual, estamos falando num crescimento zero este ano. Com queda do nível
de emprego e, pela aceleração da
inflação, queda do poder aquisitivo. Podemos repetir a mesma
performance do ano passado.
Folha - E agora?
Mendonça de Barros - Do ponto
de vista do mercado, que abstrai o
lado real da economia, só olha para os lados fiscal e monetário, certamente estão pensando o seguinte: tudo bem, mas agora o grande
teste é a reforma da Previdência.
Porque todo mundo sabe que esse
superávit primário que estamos
tendo não se sustenta no tempo.
Folha - A reforma da Previdência
não figurava como tema de destaque na campanha. Por que se tornou prioritária para o PT?
Mendonça de Barros - Eu conversei com o Palocci. E ele queria saber o que precisava fazer para ganhar a confiança do mercado e
conseguir estabilizar a parte externa da economia. Ele ouviu isso:
você precisa mostrar um compromisso com a estabilidade fiscal,
com a estabilidade da relação dívida/PIB e portanto tem que mostrar superávit primário suficiente
para responder a essa questão que
está na cabeça do mercado. Só
que para fazer isso, não adianta
você fazer isso no Orçamento de
2003, tem que mostrar que pelo
menos nos próximos anos esse
número está garantido. Se você
não mexer na Previdência, não
consegue fazer isso.
Depois que fizer isso, tem que
mostrar que o governo tem uma
agenda para resolver nosso problema central, que é a fragilidade
externa. O problema é que o PT
não tem essa agenda.
Não tenho dúvida de que o Palocci ouviu dos setores mais ortodoxos que isso é besteira. Repetiram todo o discurso do Consenso
de Washington: basta uma situação fiscal sólida, uma política monetária com metas de inflação, o
dinheiro entra aqui como maná
de Deus. Tenho medo de que ele
tenha caído nesse conto do vigário. Não acredito que eles tenham
essa agenda e, o que é pior, estou
começando a acreditar que o Palocci acha isso uma besteira.
De maneira que o PT hoje tem
uma proposta de política econômica exatamente igual à do Malan. Não tem nenhuma diferença.
Folha - Não têm nada?
Mendonça de Barros -Não têm.
Têm a agenda do Malan e nada
mais. Sinal evidente de que não
têm [agenda], de que não estão
pensando e têm raiva de quem
pensa é a briga do ministro do Desenvolvimento [Luiz Fernando
Furlan] com o presidente do
BNDES [Carlos Lessa", às turras
pelos jornais.
Folha - A orientação do BNDES está equivocada?
Mendonça de Barros - O BNDES
está quase precisando de um divã
de psicanalista. Os dois últimos
presidentes o [Francisco] Grow e
o rapaz que o sucedeu [Eleazar de
Carvalho Filho] fizeram uma mudança estrutural no banco e ele
hoje responde ao desenho operacional de um banco de Wall
Street. Chega o Lessa o leva o
BNDES para a época dos militares, do ponto de vista do projeto
do banco e até pela presença de
militares dentro do banco.
Imagina uma burocracia como
a do BNDES, de nível e com quadros excepcionais, como vai reagir nesse antagonismo de estrutura e de projeto. O BNDES está absolutamente paralisado. O banco
não só não sabe qual seu papel
dentro do governo, como ainda
está mergulhado numa crise de
identidade total.
Essa para mim é a grande decepção do PT: encarar a dependência externa de uma forma tão
contemplativa.
Folha - Mas o tema sempre esteve
muito presente na retórica do PT.
Mendonça de Barros - Esqueceram. Eu não sei por quê. Tenho na
verdade duas decepções com o
PT. A decepção ética, o comportamento deles em relação ao seu público, de mudança, mentira, justificativa sobre mudança de posição; e isso vai custar, não sei
quando e como, mas vai.
A segunda é na economia, menos pela opção pela ortodoxia,
porque é correta, mas porque
acho que é uma opção pela ortodoxia burra, limitada.
Folha - Isso contribui para um
desgaste precoce do governo?
Mendonça de Barros - Esse envelhecimento precoce tem duas vertentes. Uma é que as pessoas vão
começar a perceber que as condições de vida não mudaram nada,
e eventualmente podem até piorar. A outra, mais séria, é essa da
falta da verdade. Do sentimento
de que foram enganados, de traição, de engodo.
Folha - Não haveria um contrapeso dentro do governo?
Mendonça - É uma coisa engraçada. Estamos vendo uma mistura de [Antonio" Gramsci [filósofo
marxista italiano (1891-1937)]
com Malan. O governo é isso.
Tem um pedaço de Gramsci, outro de Malan. Tem que ver qual
híbrido que vai sair disso aí. Espero que saia pelo menos a inteligência do Gramsci.
Folha - Se não prevalecer o lado
da economia ortodoxa, o que podem colocar no lugar?
Mendonça de Barros - Uma coisa
é clara: a opção pela ortodoxia do
PT não é de profundidade, é
oportunista. Quando se faz uma
opção oportunista, em tese está
implícito que lá na frente você vai
abandonar, então não vale a pena
perder tempo para tentar arrumar. O que se vê no governo é que
não existe essa busca.
Folha - Eles podem terminar reféns dessa ortodoxia oportunista?
Podem ter que mantê-la durante
quatro anos?
Mendonça de Barros - Podem. A
pior coisa que pode acontecer para o PT é que no final do ano, por
algum motivo, há um começo de
recuperação da economia mundial, isso passa um pouco para o
Brasil, aí todo mundo diz: tá vendo? É esse o caminho. Aí um ano a
gente cresce dois, quatro por cento, de repente tem uma outra crise, e volta. Que foi o Fernando
Henrique, o segundo mandato.
Folha - Como é que o sr. vê as dificuldades no setor elétrico?
Mendonça de Barros - Estou convencido de que enterraram uma
caveira de burro lá [no Ministério
das Minas e Energia]. Só passou
porcaria por lá. Na época do Fernando Henrique, era da cota política do ACM. Colocou um ministro que era um cara bom [Raimundo Brito". Mas, como tudo
que é do ACM, ele não mandava,
tinha um cara que mandava em
baixo, era aquela confusão.
Depois teve o apagão. Na crise,
[o ex-ministro da Casa Civil] Pedro Parente chamou para si a responsabilidade. O Pedro Parente
nunca entendeu, nunca viu, nunca soube de energia. A relação
mais próxima dele com a energia
deve ser quando chega perto de
um interruptor de luz.
Agora vem o PT. A ala esquerda.
[O setor de energia e o BNDES]
são as áreas operacionais onde está todo mundo [da esquerda]. Esse pessoal resolve fazer uma mudança total no sistema. Não se sabe ainda o que vai dar. Estou convencido de que tem que voltar tudo pra trás. Estatiza.
As empresas privadas que estiverem bem, tudo bem. O que não
estiver, volta tudo pro Estado.
Passa tudo para o governo federal. Não deixa voltar para os Estados, que vão usar isso como emissão de moeda, roubalheira, como
na época do Quércia [Orestes
Quércia, ex-governador de São
Paulo].
Folha - É o caso da Eletropaulo?
Mendonça de Barros - A Eletropaulo é um exemplo típico que
deve voltar para a Eletrobrás. É
preciso fazer um acordo com uma
das subsidiárias da Eletrobrás para que faça a gestão da empresa. O
importante nisso tudo é reorganizar o setor. Seguir com a privatização agora seria obrigar o Estado
a pagar um preço ao setor privado
pela bagunça, que é resultado de
erros cometidos no passado.
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