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TENSÃO NO CAMPO
Zander Navarro, da UFRGS, diz que MST irritará governo e que reforma agrária deixou de ser questão nacional
Revogar MP é "tiro no pé", diz especialista
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é uma
organização política que nada
tem a ver com um movimento social, e o governo Luiz Inácio Lula
da Silva dará um tiro no pé caso
revogue a medida provisória que
criminaliza as invasões de terra.
Essas são as avaliações do sociólogo Zander Navarro, professor
do programa de pós-graduação
em desenvolvimento rural da
UFRGS (Universidade Federal do
Rio Grande do Sul).
Segundo Navarro, 51, o governo
será "irritado profundamente"
pelo MST nos próximos anos.
A pedido do sociólogo, a entrevista foi feita por e-mail e de forma gradativa -assim que recebia
uma resposta, a reportagem enviava a pergunta seguinte. Leia
trechos a seguir.
Agência Folha - Publicamente, as
principais lideranças do MST cobram agilidade do governo e prometem tolerância zero ao latifúndio. Trata-se de um aviso de rompimento de seus laços históricos com
os petistas ou é uma estratégia do
movimento para ser visto como autônomo e independente?
Zander Navarro - Infelizmente,
há um disseminado desconhecimento sobre esta que é, de fato,
uma organização política, que nada tem a ver com o que sociologicamente definiríamos como um
"movimento social". Como tal, o
MST estabeleceu, ao longo de sua
existência, regras internas, inclusive punitivas, formas de recrutamento e departamentos.
Instituiu até mesmo carreiras,
embora a palavra às vezes cause
arrepios em setores da esquerda,
os quais julgam que os sem-terra
militantes, por serem pobres, necessariamente são virtuosos e sem
ambições materiais.
Como uma organização política
que é, não poderia deixar de atuar
no jogo partidário. O MST é fundador do PT em diversos municípios, e centenas de seus militantes
atuam no âmbito partidário.
Romper com o campo petista
está fora de cogitações, inclusive
porque o acesso aos fundos públicos é crucial para a existência da
organização, cuja natureza hoje é
quase paraestatal.
Agência Folha - O período pré-eleitoral foi marcado por poucas
invasões. Hoje, porém, o MST diz
que não tem como controlar os
acampados que alegam passar fome. Como explicar essa suposta
"falta de controle" atual?
Navarro - Fazem parte do folclore as afirmações acerca da estrutura descentralizada do movimento ou sobre a existência de
uma suposta soberania da base
social sobre as decisões a serem
implementadas, sugerindo um
certo descontrole sobre as ações.
Se nada ocorreu antes das eleições, foi porque a direção nacional do MST julgou politicamente
inoportuna qualquer ação e facilmente controlou suas bases.
Agência Folha - Então o sr. acha
que, caso deseje, a coordenação
nacional do MST tem condições de
baixar um pacto de não-invasão?
Navarro - Claro, sem nenhum
problema. A pergunta, de fato, é
outra: isso interessa aos dirigentes
do movimento? O tema de fundo
é o dilema principal da organização, especialmente a partir dos
anos 90: manter-se sob estatuto
semi-clandestino ou então buscar
a institucionalização.
Agência Folha - Lula agiu corretamente ao promover uma distribuição política de cargos no Incra?
Navarro - Creio que seria ingenuidade imaginar que o PT, no
poder, agiria diferentemente dos
outros partidos em relação aos
cargos públicos. Mas causa tristeza e uma certa frustração perceber, à luz do discurso de defesa da
ética que sempre caracterizou o
partido, que o preenchimento de
cargos seguisse quase exclusivamente a lógica de uma "ação entre
amigos" ou o loteamento entre os
grupos internos.
Ao dividir o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra
entre subgrupos petistas, inclusive rivais, o governo está apenas
procurando problemas para si
próprio, que não deverão demorar a surgir, ou na forma de conflitos abertos, ou sob a ineficiência
operacional. É um retrocesso.
Agência Folha - O sr. acredita que
em um futuro próximo, com uma
escalada das invasões, o presidente Lula será visto chamando integrantes do MST de "baderneiros"?
Navarro - A organização irá irritar profundamente a administração federal nos anos vindouros,
sem nenhuma dúvida. O MST
perdeu a sua razão de ser, pois o
tempo da reforma agrária passou
e esta, de fato, há muito deixou de
ser exigência histórica e nacional,
sob qualquer ângulo. É por essa
razão que seus dirigentes vêm
tentando ampliar seu raio de
ação, adicionando temas como
transgênicos e Alca [Área de Livre
Comércio das Américas]. Mas
não acredito que Lula utilizará
aqueles termos, pois seria um radical desmentido à sua extraordinária biografia.
Agência Folha - Politicamente,
interessa ao MST ter todas as suas
reivindicações atendidas?
Navarro - Se isso ocorresse, a organização deixaria de ter qualquer significado e fecharia suas
portas. Como ficariam, por exemplo, os seus funcionários-militantes? Atualmente podem chegar a
mil os integrantes que dependem
da vitalidade financeira do MST e
suas organizações para se manter.
Não são mais sem-terra nem
mesmo agricultores, embora possam ter uma parcela de terra em
algum assentamento. São, de fato,
profissionais da política.
O mais trágico, às vezes patético, é que há milhares de pessoas
que acreditam piamente que seus
militantes são politicamente imaculados e apenas lutam por uma
real efetivação da reforma agrária
no Brasil. Há o MST de seus dirigentes-militantes, o qual, por várias razões, representa atualmente um dos maiores equívocos políticos em nosso país e perdeu inteiramente seu norte estratégico.
Agência Folha - Se o PT revogar a
medida provisória que impede a
vistoria de áreas invadidas, será
criticado pela direita e por parte da
mídia. Se decidir mantê-la, terá dificuldades para assentar as cerca
de 100 mil famílias acampadas pelo país. Qual a saída?
Navarro - Revogar a MP será um
verdadeiro tiro no pé e o governo
se arrependerá rapidamente, se
assim proceder. Além disso, não é
realmente a MP que impede o assentamento dos acampados, pois
o estoque de terras potencialmente utilizável para formar novos assentamentos é mais do que suficiente para a demanda existente.
O problema é a exigência de formar os novos assentamentos na
própria região dos acampamentos, o que o MST impõe exatamente porque não quer perder sua presença nos Estados e o controle sobre os assentados.
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