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VIAGEM AO ORIENTE
Lula visita a China em busca de um dínamo que sirva para impulsionar o crescimento do país, cujo PIB caiu no ano passado
Chineses podem tirar Brasil da letargia
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
Nos últimos três anos, a China
foi responsável por quase um terço do crescimento da economia
do mundo.
Logo, qualquer país deve ter
forte interesse em cortejar essa
formidável usina de crescimento.
Por extensão, a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mais que justificada, na medida
em que "o presidente é um agente
político, o mais importante do Estado; o seu papel é usar o seu
imenso poder de convocatória e a
sua liderança para lançar ou consolidar processos", como diz Sérgio Danese, diplomata que defendeu tese sobre a "diplomacia presidencial" e transformou-a em livro com esse nome -primeira
edição já esgotada.
No caso, o processo a consolidar, citado por Danese, é a transformação da China em um dos
mais importantes parceiros comerciais do Brasil (já é o terceiro).
É para isso, fundamentalmente,
que servem viagens presidenciais,
por mais que provoquem críticas
e ironias em um país que um ex-presidente dado a viagens, como
Fernando Henrique Cardoso, batizou de "caipira", por estar mais
voltado para dentro.
O próprio FHC era ironizado no
programa humorístico "Casseta e
Planeta", da TV Globo, como
"Viajando Henrique Cardoso".
O problema com viagens presidenciais é a eventual criação do
que Danese chama de "mito do
presidente caixeiro-viajante".
Acrescenta: "É um mau mito,
porque leva a opinião pública a
cobrar do presidente resultados
que muitas vezes demoram a
amadurecer ou simplesmente
não são mensuráveis em cifras".
No caso da viagem de Lula à
China, o mito tornou-se muito
forte, talvez pelo pantagruélico
apetite chinês por importações.
Para o jornal britânico "Financial
Times", em texto de Jonathan
Wheatley, mantidos os atuais índices de crescimento das exportações brasileiras, "a China responderá pela metade do aumento do
faturamento com exportações do
Brasil neste ano, que o governo
espera que cheguem a US$ 82 bilhões, contra US$ 73 bilhões no
ano passado".
Com isso, a China se tornaria
responsável por um quarto do
crescimento econômico de 3,5%
previsto para este ano.
Não é um cálculo despropositado: de acordo com o conglomerado financeiro Goldman&Sachs, a
China foi a responsável por 37%
do crescimento da economia japonesa no ano passado. Se foi capaz de ajudar a içar o Japão de
uma letargia de uma década, a
China tem dinamismo suficiente
para fazer o mesmo com o Brasil,
cujo PIB caiu em 2003.
De todo modo, convém não tomar a visita de Lula como se o
presidente fosse uma espécie de
Marco Polo brasileiro que vai descobrir o gigante asiático.
Sua viagem é, na verdade, a continuação de um processo iniciado
em 1984, ainda no regime militar,
com a excursão chinesa do então
presidente João Figueiredo.
Cada viagem presidencial marca uma etapa nesse processo.
A de Figueiredo encerrou a etapa de estabelecimento de relações
e de início da parceira comercial.
A de José Sarney (1988) tocou
consolidar o período de cooperação, de que é exemplar o projeto
de satélite conjunto.
Por fim, FHC lançou a fase de
incremento da parceria comercial, que Lula consolida agora em
uma dimensão bem maior.
Mas o atual presidente, afirma
Danese, "vai abrir uma nova etapa da relação, que é a da cooperação político-diplomática".
Como o relacionamento Sul/Sul
passou a ser componente importante da política externa brasileira
no governo Lula, é inescapável
aprofundar o relacionamento
com a China, o país do Sul até
agora mais bem sucedido.
Não se trata apenas de ter mais
comércio com a China, mas de,
juntos, tratarem de abrir terceiros
mercados. Para isso é que o Brasil
chamou a China para fazer parte
do G20, o grupo de países em desenvolvimento que tenta obter a
liberalização do comércio agrícola nos países ricos.
O presidente funciona também
ou principalmente como uma espécie de caixeiro-viajante de propostas políticas.
Mas diplomacia presidencial
tem também o lado pessoal. Só o
contato direto, olho no olho, permite desencadear uma química
entre governantes, que tanto pode
ser positiva como negativa.
No caso de FHC, a química foi
extremamente positiva com ex-presidente americano Bill Clinton, mas muito negativa com o
atual, George W. Bush, o que deve
ter ajudado Bush a ver Lula com
muito mais simpatia do que via
FHC e com muito mais simpatia
do que autorizaria, em tese, a divergência ideológica entre um
presidente ultraconservador e um
originalmente de esquerda.
"Ele é de esquerda, mas eu gosto
dele", chegou a dizer Bush sobre
Lula, em uma conversa com o primeiro-ministro português José
Manuel Durão Barroso.
Pela guinada que foi dada pelo
presidente brasileiro, talvez sua
visita a Pequim permita que ele
diga algo semelhante sobre os governantes chineses.
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