|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Relações são mais promissoras para a China
EDUARDO TONOOKA
CHAU KUO HUE
ESPECIAL PARA A FOLHA
No exercício de sua função de
caixeiro-viajante, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva desembarca na China com o objetivo de
ampliar a presença dos produtos
brasileiros no mercado que mais
cresce no mundo. Entre 1999 e
2003, as importações totais da
China cresceram em média 22%
ao ano, ao passo que aquelas provenientes do Brasil cresceram à
taxa média anual de 61%.
Com isso, a China tornou-se o
terceiro maior importador individual de produtos brasileiros em
2003 (atrás apenas dos Estados
Unidos e da Argentina). No ano
passado, as exportações à China
representaram 6,2% do total das
exportações brasileiras (US$ 4,5
bilhões), ante 2,6% em 1995 (US$
1,2 bilhão).
As importações totais da China
cresceram impressionantes 40% e
mantiveram-se muito dinâmicas
no início de 2004, com destaque
para as aquisições de matérias-primas e semimanufaturados, fato que ajuda a explicar a alta dos
preços internacionais das commodities.
Embora as exportações do Brasil à China tenham se beneficiado
desse movimento dos preços, foi a
expansão das quantidades exportadas de commodities a principal
responsável pelo superávit comercial bilateral obtido pelo Brasil de US$ 2,4 bilhões em 2003.
De fato, conforme mostra o gráfico nesta pág., a pauta de exportações brasileiras à China concentra-se em commodities (soja, minério de ferro e celulose), que têm
respondido pela metade das exportações totais nos últimos cinco
anos, e em produtos siderúrgicos
muitos deles também considerados commodities, tais como ferro-gusa e laminados planos a frio.
Já as exportações brasileiras dos
setores de maior dinamismo no
comércio internacional -dentre
os quais incluímos as indústrias
de máquinas e equipamentos e de
materiais elétricos, eletrônicos, de
comunicações e de transportes-
têm apresentado dificuldade para
ultrapassar o patamar de 10% do
total, muito embora tenha havido
uma expansão significativa das
exportações de veículos e máquinas agrícolas, incluindo suas partes e componentes, nos últimos
três anos.
Do outro lado, o gráfico revela
que os produtos manufaturados
dos chamados setores dinâmicos
já respondem por mais da metade
das importações brasileiras da
China. Mesmo nos demais setores
industriais, percebe-se um movimento de adensamento tecnológico das importações -por
exemplo, têm crescido as importações de produtos têxteis elaborados a partir de fibras sintéticas,
em detrimento daqueles fabricados com fibras naturais.
Vai-se conformando, portanto,
uma certa relação de complementaridade a longo prazo, mais promissora para a China do que para
o Brasil, nas relações comerciais
entre os dois países.
O Brasil tem aproveitado o momento circunstancialmente favorável para ampliar as exportações
e o saldo comercial com a China.
Contudo, dadas as tendências do
comércio bilateral, levantamos
duas questões: primeira, até
quando o Brasil poderá sustentar
uma posição superavitária no comércio bilateral, e, segunda, quais
serão as conseqüências da consolidação dos investimentos industriais na China sobre as exportações do Brasil no futuro?
A demanda da China por commodities está condicionada ao ritmo de crescimento de sua economia, que tende a diminuir. Ainda
há bastante espaço para a expansão das exportações desse tipo de
produto para a China, porém os
preços tenderão a se tornar menos favoráveis do que os atuais. A
elevação dos juros norte-americanos e o arrefecimento do crescimento mundial sinalizam uma
tendência de queda dos preços
das commodities.
Já as exportações brasileiras de
produtos manufaturados tenderão a sofrer conforme a China
consolide seu parque industrial e
institua políticas de favorecimento à produção local, conforme já
vem divulgando. Por exemplo, o
recente "boom" de exportações
de veículos, partes e componentes
é resultado imediato da redução
das tarifas de importação, da existência de uma forte demanda reprimida por automóveis e da não-consolidação de uma indústria de
autopeças na China. Mas, à medida que a indústria chinesa reforçar sua capacidade de produzir
tais bens, as oportunidades de exportação deverão minguar.
Por outro lado, as importações
brasileiras de manufaturados "dinâmicos" -tais como equipamentos, partes e componentes da
indústria eletrônica, de informática e de telecomunicações já representam 60% do total importado
da China.
A evolução da economia chinesa tem seguido uma trajetória já
conhecida e observada ao longo
do processo de desenvolvimento
das economias asiáticas mais
avançadas, notadamente a Japão
e a Coréia do Sul. Por isso, é de se
esperar que a China progressivamente deixe de destacar-se especialmente como grande exportadora de produtos com pouco conteúdo tecnológico e baratos devido ao baixo custo da mão-de-obra e passe a ser reconhecida como gigante exportador por contar
com uma base industrial e tecnológica moderna e competitiva, resultante dos pesados investimentos que hoje estão sendo realizados no país.
Quando este momento chegar,
iremos nos deparar com um
grande concorrente nos mercados de produtos manufaturados
nos quais temos interesse em consolidar nossa posição internacional, incluindo papel, produtos siderúrgicos, material elétrico, veículos, suas partes e componentes,
dentre outros.
Logo, podemos vislumbrar
duas tendências: (a) uma perda
de dinamismo das vendas para a
China de produtos básicos e de
produtos que atualmente atendem a uma demanda reprimida
que a indústria chinesa está em
vias de habilitar-se a suprir; e (b)
um aumento nas importações
brasileiras de produtos chineses
dos setores mais dinâmicos e um
acirramento da concorrência entre os manufaturados brasileiros e
chineses no mercado internacional, à medida que a base industrial da China se consolide e seja
capaz de atender não apenas ao
mercado doméstico, mas também aos mercados internacionais.
A China já definiu sua estratégia
de desenvolvimento, que norteia
inclusive suas ações comerciais
com o Brasil. Já o Brasil prossegue
muito carente dessa definição.
EDUARDO TONOOKA é professor de
economia asiática na Fipe/USP e economista da LCA Consultores.
CHAU KUO HUE é economista da LCA
Consultores.
Texto Anterior: Toda mídia - Nelson de Sá: Projeto coletivo Próximo Texto: Operação Vampiro: Quadrilha do sangue atuava desde 1997 Índice
|