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DIRETAS-JÁ - 20 ANOS
OPINIÃO
Aprendendo democracia
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os últimos anos da década
de 70 e os primeiros da seguinte foram de aprendizado democrático para todos nós.
Recordo-me que, logo depois de
lançado candidato ao Senado por
um grupo de intelectuais democráticos em 1977, recebi um recado de Lula, então nos primórdios
de sua liderança, por intermédio
de Chico de Oliveira. Lula queria
ver-me.
Fui a São Bernardo. Deslumbrei-me com o porte do sindicato
e a disposição dos dirigentes. Lula
disse que me apoiaria, embora
não contasse com muitos recursos políticos para tanto. O principal era Almir Pazianotto, advogado do sindicato e deputado estadual pelo MDB, que votaria em
mim na convenção do partido.
Perguntei a Lula sobre o porquê
do apoio. A resposta foi contundente: porque você não fica dando lições aos trabalhadores nem
se arroga a ser a nossa voz. Transparecia na resposta a visão política de Lula, além de uma referência indireta ao senador Montoro.
Depois, Lula virou quase um
mito. Chefiou greves, foi cassado,
preso e tornou-se capa de tudo
quanto é revista. Fizemos juntos,
e com Almino Affonso, o Encontro de São Bernardo. Tateávamos
o rumo a tomar na política. Eu havia estado presente, com outros
companheiros, prestando solidariedade ativa a todas as greves. Fui
ao enterro da mãe de Lula (ele estava preso, mas compareceu) para emprestar, como nas greves, o
apoio simbólico de um senador
suplente.
Em 79, começou a pulsar mais
forte o partido que a causa democrática. Fiquei no MDB, que ganhou um P e tornou-se o PMDB,
por discordar da visão dos que
formaram o PT, que me parecia
estreita: não gostavam de alianças
e imaginavam poder mudar o
país sozinhos. As restrições começaram a ser fortes para quem não
tinha o mesmo pensamento.
No início daquele ano ou do anterior, no final de uma das greves
de São Bernardo, Djalma Bom fizera o discurso de agradecimento
aos que haviam apoiado o movimento, referindo-se especificamente a mim. Já no período de
formação do PT, voltei a São Bernardo para prestar solidariedade
a outra greve. Lembro-me da vaia
que recebi e de Leila Abramo me
consolando.
Por isso, o comício da praça
Charles Miller foi quase só do PT e
dos grupos de esquerda a ele ligados. A causa, a das eleições diretas, era a mesma de muitos. Os
eleitos para falar por ela deviam
ser poucos.
Ainda assim, fui ao comício. Fui
dos poucos, se não o único, de fora da órbita da esquerda petista.
Estava preparado para receber a
vaia. Ela não ocorreu. Coube a
mim dar a infausta notícia da
morte do senador Teotonio Villela. O luto e as saudades antecipadas silenciaram as gargantas e
criaram uma ponte para a confraternização que permite saltar o
sectarismo entre irmãos da mesma causa. Foi o que se viu no
grande comício de 25 de janeiro
de 1984, na praça da Sé, inspirado
por Montoro.
Fernando Henrique Cardoso, 72, é sociólogo. Foi presidente da República
(1995-2002) e ministro das Relações Exteriores (1992-93) e da Fazenda (93-94).
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