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INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA
Lula tenta firmar acordo entre Peru e Mercosul, com a intenção de formar novo bloco econômico
Acordo quer tornar região 4º pólo mundial
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Ao desembarcar hoje no Peru, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará pondo mais um passo
no projeto de integração sul-americana, prioridade de seu governo
que vai muito além de intenções
anteriores com propósito igual,
mas que acabaram nos arquivos
mortos da diplomacia brasileira.
Lula tentará fechar em Lima um
acordo comercial entre o Peru e o
Mercosul, uma fatia de um desenho cujo ponto de chegada é
construir o que seria o quarto pólo econômico mundial.
É assim que o processo de integração é visto por Darc Antônio
da Luz Costa, vice-presidente do
BNDES, o banco de fomento que
se transformou em uma espécie
de vanguarda ideológica e financeira do projeto.
A ambição é a marca da definição dada pelo outro braço ideológico-operacional do projeto, o
chanceler Celso Amorim: "Buscamos uma América do Sul politicamente estável, socialmente justa e
economicamente próspera, não
só por solidariedade, mas também por interesse, porque o bem-estar e o progresso de nossos vizinhos fomentam nosso próprio
bem-estar e progresso".
O teorema em que se assenta o
projeto funciona assim, na descrição de Darc Costa: 1) "A idéia da
regionalização é mais forte que a
da globalização, como o demonstram os fluxos comerciais, financeiros e tecnológicos"; 2) "Criaram-se, nos últimos 20 anos, três
pólos, o da América do Norte, o
europeu e o complexo asiático. O
Brasil ficou de fora, mas tem massa crítica para uma polarização
em torno dele"; e 3) "O processo
passa necessariamente por uma
aliança Brasil/ Argentina/Venezuela. Se houver tal aliança, o resto vem por gravidade".
Demonstrado o teorema, o
BNDES está pondo dinheiro nele.
Há US$ 1 bilhão para financiar a
exportação de produtos brasileiros à Venezuela, país que faz só
6% do seu comércio com o Brasil.
Expectativa
A expectativa é que aumente para 30% ou 40% com a integração
sonhada. "Só a rodovia Manaus/
Caracas já permitiu aumentar em
US$ 750 milhões o comércio Brasil/Venezuela", exemplifica o senador Aloizio Mercadante, líder
do governo no Senado e um dos
entusiastas do projeto.
Outro US$ 1 bilhão está reservado para reativar os CCRs (Convênios de Crédito Recíproco) com a
Argentina. Trata-se de mecanismo pelo qual os dois países trocam mercadorias usando suas
próprias moedas, até fazer o acerto após três meses, aí sim utilizando moeda forte (no caso, o dólar).
O CCR pode ser uma solução
integracionista, mas é também
um problema ou, ao menos, uma
indicação das dificuldades que o
projeto encontra. No caso, dificuldade interna: o Banco Central não
gosta, por ideologia ou por comodismo, da idéia de abandonar o
dólar nas transações comerciais.
Uma segunda dificuldade, interna como externa, está dada pelo ceticismo em relação à integração regional. Reage, por exemplo,
Ricardo Hausmann, ex-ministro
venezuelano, ex-funcionário do
BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento) e, hoje, professor de Prática do Desenvolvimento Econômico na Escola John F.
Kennedy de Governo (Harvard):
"O Pacto Andino morreu. Hugo
Chávez [o presidente venezuelano] moveu-se em direção ao Mercosul, mas Colômbia e Peru querem integrar-se aos Estados Unidos. O Brasil vai é acabar ficando
isolado, porque também os países
centro-americanos preferem os
Estados Unidos".
A alusão ao Pacto Andino se deve ao fato de que a integração sul-americana passou a ser uma sociedade entre o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e
o Pacto Andino ou Comunidade
Andina de Nações (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Só falta, nos dois, o Chile,
uma espécie de livre-atirador, que
já é Estado associado ao Mercosul, mas tem acordo de livre comércio com os Estados Unidos.
Concorda, ao menos parcialmente, o pesquisador brasileiro
Fernando Sarti, da Unicamp: "É
um projeto que interessa ao Brasil
e ponto. Para Argentina, Colômbia, a Venezuela não-chavista, o
Chile, a relação custo/benefício de
uma integração com os Estados
Unidos é positiva".
Atração fatal
Darc Costa, do BNDES, quer
romper essa lógica da atração fatal que os Estados Unidos exercem sobre a América do Sul (e a
América Latina em geral), usando
argumentos que tentam desmanchar a baixa auto-estima dos latino-americanos. "A América do
Sul é auto-suficiente em praticamente tudo. De alimentos a petróleo, passando pelo carvão, que
tem mas não usa."
Em uma região potencialmente
tão rica, o Brasil já tem algumas
características de pólo aglutinador, nas contas de Darc Costa: "É
o segundo maior mercado do
mundo para helicópteros e jatos
executivos. Faz mais sapatos que
França e Itália juntas".
Por mais que a idéia de integração tenha caráter utópico, por
mais que, no exterior, levante ainda mais ceticismo do que internamente, há quem conceda ao projeto o benefício da dúvida.
"Lá por 1950, ninguém diria que
a integração européia era viável.
Mas funcionou", lembra Brad
Setser, pesquisador de Assuntos
Internacionais do Council on Foreign Relations, de Nova York.
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