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São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

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Ex-coroinha, Babá descobriu o mundo com um megafone

PATRICIA ZORZAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem vê o deputado radical no Congresso, cabelos compridos abaixo dos ombros, críticas ao FMI e ao presidente da República, não imagina que João Batista Oliveira de Araújo, o Babá, 49, já foi um ""alienado", como ele mesmo diz, prestou serviços à Igreja como coroinha e só se interessou por política aos 26 anos de idade.
"Era alienação, sim. Eu era bobo", conta. "Até 1980, estudava, trabalhava e não sabia nem que havia movimentos [de luta] no país. Era a ditadura, e jovem não participava. Havia a Guerrilha do Araguaia, e eu não sabia. Esse período todo passou por mim."
O interesse pela carreira que o fez abandonar a engenharia mecânica e guardar na gaveta o diploma de pós-graduação em energia solar pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), uma das instituições de ensino de maior prestígio do país, surgiu quando passou a dar aulas na Universidade Federal do Pará, Estado onde nasceu.

Descoberta do mundo
Em 1980, durante uma greve de professores por melhores salários, foi incitado por colegas a promover a paralisação das aulas em seu departamento, que se recusava a aderir ao protesto. ""Deram um megafone na minha mão e eu tremia para falar. Mas foi a descoberta do mundo", resume ele, sem disfarçar sua felicidade ainda hoje com a lembrança.
Pouco antes disso havia participado, apenas "por curiosidade", de um grande ato político em Osasco (SP). Admite que chegou lá com a intenção de conhecer de perto Luiz Inácio Lula da Silva, de quem ouviu as primeiras notícias durante sua temporada no ITA. Somente tempos depois, Babá viria a descobrir que o evento havia sido um dos atos iniciais de fundação de seu futuro partido.
Com a entrada no PT, em 81, acabou se integrando à Convergência Socialista, uma das mais radicais correntes da sigla na época. "Foi uma coincidência da vida, ser da esquerda da esquerda", diz.
Em sua primeira disputa eleitoral, em 82, confiante na vitória, Babá chegou a apostar com a mulher que teriam um filho caso fosse eleito. Obteve só 490 votos, mas o filho, uma menina, não esperou pela próxima eleição.
Hoje com 17 anos, a adolescente, que mora no Rio Grande do Sul com a mãe, seguiu o exemplo de Babá e milita na mesma corrente radical da deputada federal Luciana Genro (PT-RS), a Movimento Esquerda Socialista.
Antes das trocas de farpas públicas de hoje, Lula e "Babazinho", como o presidente costuma se referir a ele, voltariam a se encontrar em 83. Naquele ano, Lula aproveitou uma visita ao Pará para prestar solidariedade ao hoje deputado, que respondia a um processo pela Lei de Segurança Nacional. Foi enquadrado depois que a namorada de um amigo, sobrinha de um coronel do SNI (Serviço Nacional de Informações), levou para casa material "subversivo" do partido.

Carinho
"Eu e o Lula temos uma relação de muito respeito e de carinho. Nossas divergências políticas são graves, é difícil não ter sequela, mas não guardo raiva e creio que ele também não. Então não acho que isso vá ser motivo para ficarmos de mal", afirma.
E se a ameaça de expulsão do PT parece não abalá-lo, talvez seja porque ela é uma constante em sua carreira política. Já deputado estadual, Babá foi expulso do PT em 92 quando a Convergência Socialista, por divergências com a direção da legenda, foi ""convidada" a seguir seu próprio rumo. Foram meses até que ele se desentendesse de novo com os correligionários e deixasse a corrente. Quase um ano sem partido, pediu seu retorno ao PT no final de 93.

Marca registrada
Mas, se a rebeldia política veio tarde para os padrões atuais, a contestação estética, marcada por seu cabelo longo, foi adquirida bem mais cedo. Inspirado em bandas de rock, resolveu deixar o cabelo crescer nos anos 70.
De lá pra cá, afirma que o cortou somente ao entrar na faculdade. Depois disso, só apara as pontas. "Tentaram, por causa do cabelo, me colocar como exótico. Mas vivo a vida tranquilo e normal. Radical, só na defesa das minhas idéias. Falam do meu cabelo, mas, mais do que isso, minha marca são as brigas e as lutas", diz ele.
Tanto é assim que não deixou passar em branco nem mesmo uma homenagem de trabalhadores sem terra, que queriam batizar a fazenda invadida pelo grupo na região metropolitana de Belém com o nome do deputado. "Não dava. Seria uma vergonha porque não ajudei ninguém por isso."
Sugeriu que dessem ao lugar o nome do guerrilheiro Che Guevara, mas não foi o suficiente. A rua onde foi erguido o conjunto habitacional resultante da invasão é hoje a avenida João Batista Babá.
Por que Babá? "Não sei. Desde que nasci me entendo por Babá. E adoro. São quatro palavras que as crianças do mundo inteiro falam. Não sei dizer quais são as outras três, mas Babá sei que é uma. E é uma glória", conta às gargalhadas. "Só posso adorar esse nome."


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