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PALANQUE LIVRE
Longe da fiscalização, programas abrem espaço para campanha explícita e mais agressiva que a da TV
Candidatos exploram vale-tudo do rádio
LAURA MATTOS
CLÁUDIA CROITOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Sob aparência de jornalismo
político, programas de rádio de
grande audiência transformaram-se em um dos principais palanques para os pré-candidatos
mesmo antes do início oficial da
campanha, em julho.
Mais velado na televisão, o palanque costuma ser explícito em
FMs e AMs, principalmente pela
manhã, horário em que o rádio
atrai mais público que a TV.
No comando do debate mais
disputado por políticos em São
Paulo, na Capital AM (1040 kHz),
o líder de audiência Paulo Lopes
(160 mil ouvintes por minuto) faz
questão de deixar suas preferência claras para o ouvinte.
Costuma levantar a bola para os
pré-candidatos discursarem. E
não poupa elogio aos convidados.
"Garotinho, parece que você tem
solução para tudo no Brasil. Penso: "Se esse homem entra lá, estamos com todos os problemas resolvidos". É um pouco isso ou é interpretação minha?", perguntou
ao pré-candidato do PSB à Presidência da República.
O malufismo que Hebe Camargo manifesta em seu programa no
SBT não é nada perto do que a
apresentadora soltou, há duas semanas, na atração que comanda
na Nativa FM (95,3 MHz), de SP.
Hebe acusou Marta Suplicy
(PT-SP) de apresentar projeto de
lei liberando a contratação de estrangeiros pela prefeitura apenas
para dar emprego ao namorado,
o franco-argentino Luís Favre.
"Administrar a cidade que é
bom... Marta quer é festa. Êta beleza! E esse Luís Favre já atua faz
muito tempo. Isso aí é um perigo,
ainda mais mulher apaixonada..."
Praticamente sem fiscalização
do Ministério Público e dos partidos -que não têm como controlar o que é dito nas mais de 3.000
estações de rádio espalhadas pelo
país-, os programas abrem espaço para pré-candidatos e aliados dispararem ataques nos quais
o outro lado quase nunca é ouvido. Acusações graves acabam ficando sem resposta no ar.
O presidente do PSDB, José
Aníbal, assíduo frequentador dos
debates eletrônicos, é um dos que
aproveitam o rádio para fazer críticas em tom acima do que usa na
TV e nos jornais. "Duda Mendonça [marqueteiro de Luiz Inácio
Lula da Silva, presidenciável do
PT] é muito arrogante, é um mercenário mesmo", disse, no "Programa Paulo Barboza" -o segundo palanque de maior audiência, com 54 mil ouvintes por minuto, na Record AM (1000 kHz).
Além do "bate-boca" sem limite, os políticos usam o rádio para
promessas e já se apresentam como candidatos de fato, o que, antes de julho, pode ser considerado
crime eleitoral, segundo especialistas consultados pela Folha.
Mesmo em São Paulo, onde os
programas são mais fiscalizados e
chegam a ser gravados pelos partidos, a irregularidade rola solta.
No "Show do Paulo Lopes"
(quatro horas de duração, de segunda a sexta) e no "Programa
Paulo Barboza" (três horas, nos
mesmos dias), ouvem-se frases
do tipo: "Como presidente, vou
criar o Ministério da Casa Própria" (Anthony Garotinho, pré-candidato do PSB à Presidência);
"Como deputado federal eu defendo a municipalização da polícia" (Celso Pitta, que deve concorrer à Câmara pelo PSL).
Esse "vale-tudo eletrônico" traz
resultados concretos nas pesquisas.
A liderança do pré-candidato
do PPB, Paulo Maluf, na disputa
pelo governo paulista é parcialmente atribuída por sua equipe à
sistemática participação em atrações populares do rádio.
Neste ano, a estratégia de campanha de Maluf no dial foi definitivamente profissionalizada: ele
contratou uma empresa para mapear as emissoras do interior e
agendar entrevistas. Com essa assessoria, sabe que estações são
simpáticas a que partido ou político e escolhe os programas ideais
para suas aparições.
A empresa contratada por Maluf tem focalizado principalmente
programas policiais, para que o
pepebista fale de segurança pública, campo em que avalia estar o
ponto fraco do governador Geraldo Alckmin (PSDB), até aqui seu
principal adversário.
Se determinada cidade tem uma
reivindicação não atendida pelo
governo, assessores de Maluf
agendam a participação numa
atração de grande audiência da
região. E pautam os locutores para perguntar a ele exatamente sobre aquelas demandas. Por semana, Maluf conversa com ao menos
40 rádios. Chega a falar com mais
de dez cidades num dia.
Parece mirabolante, mas não
está muito longe da estratégia da
maior parte dos candidatos. A
maioria costuma reservar pelo
menos uma hora todas as manhãs
para dar entrevistas, já desde o
início do ano de eleição.
Conselho prático
"Aconselho meus candidatos a
montar um sistema pelo qual, todo dia antes de sair de casa, falem
por uma hora para quatro ou cinco emissoras. O resultado é surpreendente", escreveu Duda
Mendonça em seu livro "Casos e
Coisas", sobre marketing político.
Para conseguir espaço em rádios é preciso ter um bom relacionamento com os locutores. Assessores de políticos ouvidos pela
Folha afirmam que alguns cobram para entrevistar os candidatos, o que é negado por Paulo Barboza e Paulo Lopes.
Mas Lopes diz que a boa relação
com o político é determinante e
concorda com sua marca de malufista. "Sou muito amigo do Maluf mesmo." Mas, no "coração"
desse radialista, parece sempre
caber mais um político. "Sou
muito amigo do [José] Serra [presidenciável do PSDB] também.
Gosto do Garotinho, do [Aloizio]
Mercadante... [que deve concorrer ao Senado pelo PT]".
E Lopes faz questão de deixar
suas "amizades" claras para o público. "Muitas pessoas me dão
bronca porque fico chamando o
Serra de amigo. Dizem que isso
pode influenciar o meu ouvinte,
que gosta de mim. Não vou negar.
O Serra é meu amigo há muitos
anos", disse na semana retrasada,
após entrevistar o tucano.
O deputado José Anibal, que
também participava do debate
nesse dia, brincou: "Paulo, também sou seu amigo, heim!".
Se em um programa o radialista
levanta a bola para os ataques de
Garotinho a Fernando Henrique
Cardoso, em outro, aplaude o governo ao entrevistar Serra. Também pode ajudar o ex-prefeito
Celso Pitta a atacar o PT e entrevistar Marta Suplicy no dia seguinte, elogiando um projeto seu.
"Sou apartidário".
Não é só nas entrevistas e debates que políticos levam vantagem.
Em 24 de abril, o radialista realizou enquete com o propósito
anunciado de apurar a preferência dos ouvintes na eleição para o
governo paulista. Os dez entrevistados por telefone escolheram
Paulo Maluf.
A sondagem fez com que o
PSDB entrasse com representação no Tribunal Regional Eleitoral, acusando Lopes e Maluf de fazer pesquisa eleitoral irregular e
propaganda eleitoral antecipada.
Para o PSDB, as declarações dos
entrevistados eram "verdadeiros
slogans": "Para dar um jeito neste
país, só Maluf", "O único para resolver os problemas de segurança
em São Paulo é Maluf" ou "É o
melhor, foi o melhor governador
que tivemos".
Fora do ar
Situações como essa já fizeram
Paulo Barboza ficar por mais de
um mês fora do ar, por determinação da Justiça, nas eleições de
1990. Ele foi acusado de fazer
campanha irregular para Maluf.
"Fui mal interpretado", diz. Na
época, ele chegou a apresentar
shows em comícios do então candidato ao governo de São Paulo.
"Mas era apenas um trabalho."
Hoje, Barboza diz que não manifesta apoio a ninguém. Mesmo
assim, como Lopes, dá a deixa para seus convidados se autopromoverem e atacarem adversários.
Como há duas semanas, quando
Garotinho, em amistosa conversa
com Maluf, pôde falar sobre suas
realizações no Rio e fazer promessas para a Presidência.
Ao comentar a redução dos sequestros no Estado em sua gestão,
Barboza não perdeu a deixa. "E
por que SP tem mais sequestro
que o Rio?", levantou a bola para
Maluf, que cortou: "É que os governadores eram diferentes. Lá tinha Garotinho; aqui tem tucano".
Colaborou ROGÉRIO GENTILE,
editor do Painel
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