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JANIO DE FREITAS
Desculpas indesculpáveis
Ao voltar de Nova York,
Lula tinha marcada com
antecedência uma reunião ministerial. À última hora, substituiu-a por uma entrevista a pequeno grupo de jornalistas de
rádio, por seleção do próprio
Planalto. Relegar despachos ministeriais e espremer audiências
sobre temas de governo estão entre as lições aprendidas de Fernando Henrique por Lula. Mas o
cancelamento e a entrevista evidenciaram os temores de Lula e
sua assessoria, dada a reação ao
uso de ato oficial, já por si injustificado, de propaganda ilegal do
presidente da República para
Marta Suplicy. O jornalismo governista diria, no dia seguinte à
entrevista, que o (quase) pedido
de desculpas ali feito não estava
previsto, foi ato de espontânea
sinceridade presidencial. Pois
sim.
A oportunidade montada deu
os seus resultados: as meias desculpas receberam o pretendido
destaque na mídia, embora não
o perdão do Ministério Público e
do juiz José Joaquim dos Santos,
que notificou Lula e Marta por
violação da lei eleitoral. Seria esta a parte frustrada do plano? José Dirceu, lá de Porto Alegre, logo avisou que não: "A Justiça vai
arquivar isso". Não esclareceu se
a afirmação decorre da arrogância de poder, que nunca lhe falta;
das sondagens já feitas ou da
certeza de que continuarão eficientes as impróprias relações de
certos ministros do Judiciário
com a Presidência e adjacências.
Não só de menores e maiores
deslizes fez-se, no entanto, o episódio. Deixou também uma lembrança positiva, neste comentário de Lula aos seus entrevistadores, todos profissionais de jornalismo: "Eu pensei que vocês
iam entrar em temas polêmicos.
Vocês não entraram nas coisas
mais polêmicas que deram briga
esses dias. (...) Espero que vocês
tirem lição e na próxima sejam
um pouco mais duros com o presidente". Lição de jornalismo ou
lição de moral? Pode-se também,
é meu velho ponto de vista, considerá-las indissociáveis.
Enquanto Lula concedia a
não-entrevista com suas meias
desculpas, a Folha circulava com
um artigo, em imprevisível lugar
(caderno Equilíbrio), do jornalista norte-americano Michael
Kepp. Radicado em São Paulo
há mais de 20 anos, Kepp observou que, enquanto 56 entre 63
críticos de cinema relevantes elogiaram nos Estados Unidos o filme "Fahrenheit 11 de Setembro",
no Brasil a maioria dos artigos
desancou-o com incomum ferocidade adjetiva, inclusive para o
diretor Michael Moore. A repulsa, aqui, ao documentário sobre/contra Bush, já ganhador da
Palma de Ouro em Cannes e esperável vencedor do Oscar de
melhor documentário, suscitou
esta percepção de Kepp: "Fahrenheit também faz parte de outra
tradição pouco difundida no
Brasil, o estilo agressivo de entrevistar que parece dizer "te peguei"". Estilo que, acrescento, é
comum na Europa e nos Estados
Unidos como parte da natureza
mesma do jornalismo. Uma ressalva: por delicadeza, Kepp diz
que a entrevista para valer é
"pouco difundida" por aqui,
mas, na realidade, é quase inexistente e, quando ocorre, quase
sempre provém mais de inimizades e partidarismos que de jornalismo.
Aí estão -na ilegalidade eleitoral de Lula, na atitude que observou e criticou em seus entrevistadores, na referência de José
Dirceu avessa à liberdade autônoma do Judiciário, nos artigos
notados por Kepp- vícios que
os 21 anos da ditadura transformaram em costumes. Não se tornaram redivivos agora, por culpa do governo Lula, simplesmente têm sobrevivido sem
maior restrição, alguns, e outros
até se fortalecido (como a continuada degradação do Congresso, não mais pela força explícita,
mas pela aquisição de votos tornada norma por Fernando Henrique e adotada por Lula).
Aguarda-se nova entrevista de
Lula, na qual peça desculpas
-espontaneamente, não porque haja alguma pergunta jornalística- pela interessante
operação que está usando na
propaganda paga do governo federal para fazer propaganda de
Marta. O nome de tal prática é
simples e conhecido: corrupção.
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