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Na rua Rita Rodrigues, no Rio, em dez famílias entrevistadas, só duas pessoas tinham carteira assinada
Empobrecimento traz fogão a lenha de volta
ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL
O sinal mais surpreendente do
empobrecimento causado pelo
desemprego crônico é o reaparecimento do fogão a lenha em bairros de periferia do Rio de Janeiro.
O botijão de gás, que custa entre
R$ 27 e R$ 29, já não cabe no orçamento de muitos lares de baixa
renda, onde a preocupação maior
está em conseguir o que comer, e
não em como cozinhar.
Na casa de nº 10 da rua Rita Rodrigues, no bairro Parque da Conquista, em Duque de Caxias, na
Baixada Fluminense, o fogão a
gás está sem uso há dois meses
porque os três membros da família se encontram desempregados.
Eles sobrevivem graças a biscates,
à ajuda de vizinhos e à cesta básica
distribuída por uma igreja.
O fogão a lenha vem se tornando usual no bairro, mas há outros
sintomas visíveis do estrago causado pelo desemprego, como a
queda da auto-estima dos homens, o ócio dos jovens e o confinamento das pessoas no bairro,
porque não têm dinheiro sequer
para pagar as passagens de ônibus
e procurar trabalho.
Caçar passarinhos
Nota-se ainda, na região, a volta
de formas tipicamente rurais de
subsistência, como capinar lotes
ou caçar passarinhos para vendê-los na feira. Itamar Cirilo Assis,
40, vendeu um por R$ 10 na semana passada e comprou açúcar, café, leite e pão com o dinheiro. A
limpeza de um lote também rende R$ 10.
A Folha escolheu, aleatoriamente, a rua Rita Rodrigues, no
bairro Parque da Conquista, a 35
km do centro do Rio, para ver a
extensão do desemprego. A rua
contém apenas um quarteirão,
onde, originalmente, foram construídas 12 casas.
Em dez famílias entrevistadas,
havia duas pessoas com carteira
assinada: o morador da casa 8,
que é porteiro de um conjunto
habitacional em Caxias e recebe
salário mínimo, e o da casa 6, que
é motorista de caminhão e ganha
R$ 400 por mês. A mulher do porteiro, Marli Conceição Miranda,
41, perdeu o emprego de costureira três meses atrás e passou a vender roupas e bijuterias na vizinhança.
Das oito casas restantes, duas
vivem da aposentadoria e pensão
dos mais velhos; três só têm desempregados e sobrevivem de
biscates; e três contam com pelo
menos um membro da família
trabalhando como autônomo.
O bairro nasceu em 1991, a partir da invasão de um terreno que
pertencia aos supermercados Casas da Banha. Hoje ele tem ruas
asfaltadas, casas de alvenaria e infra-estrutura de serviço básicos
(luz, água e telefone). O presidente da associação de moradores local, Sérgio Moreno, afirma que
cerca de 800 famílias vivem ali e
que o bairro é pobre, mas tranquilo, porque não existe tráfico de
drogas.
Questionado sobre a dimensão
do desemprego na região, Moreno responde que é mais fácil contar os empregados do que os desempregados. "É difícil achar
quem tenha carteira assinada
aqui", resume. Na avaliação dele,
a situação vem piorando desde o
início do governo Fernando Henrique Cardoso.
Parte das residências da rua Rita
Rodrigues foi dividida para acomodar mais de uma família, em
geral parentes, deixando caótica a
numeração das edificações. A situação, no entanto, é idêntica nas
demais ruas.
Na casa com fogão a lenha, o
pai, Sebastião Cardoso, 54, era estofador e está sem emprego definido há dez anos. A mãe, Maria
Tereza Macedo, 52, já nem se lembra de quando abandonou o serviço de empregada doméstica, devido a problemas de saúde. O filho, Marcos Macedo, 19, está no
primeiro ano do segundo grau.
Há várias famílias cozinhando
eventualmente com o fogão a lenha no bairro, mas na casa de
Eliane Luzia Alves da Silva, 66,
que mora a cem metros da rua Rita Rodrigues, o fogão, construído
com capricho fora da casa, tornou-se definitivo.
A família é composta por seis
pessoas -a avó, os pais, dois filhos (de 34 e de 31 anos) e a neta
(Daniele, de 10 anos)- mas as
únicas fontes certas de renda são a
pensão de R$ 230 da avó, e R$ 100
que a mãe recebe na condição de
viúva do primeiro marido. Os três
homens da casa estão desempregados.
Humilhação
O desemprego entre os homens
inverte os papéis nas famílias e
enfraquece a autoridade masculina, à medida que a mulher se torna o principal, quando não o único, provedor da casa.
Itamar Cirilo, que teve a carteira
assinada pela última vez em janeiro de 2002, pede ao filho, de sete
anos, que conte como a mulher,
que é faxineira, referiu-se a ele naquela manhã. O garoto hesita,
mas, diante da insistência do pai,
responde: "Safado".
"Sou safado porque não tenho
trabalho. Ouço isso e tenho de ficar calado", acrescenta o homem,
que estudou até a 8ª série e se sente humilhado perante a família
por estar há mais de um ano desempregado, dependendo do dinheiro da mulher para sobreviver.
Os homens dizem que está mais
difícil para eles arrumar dinheiro
do que para elas. De fato, a diária
de uma faxineira em Duque de
Caxias está por volta de R$ 40, ao
passo que a diária de ajudante de
pedreiro, em Parque da Conquista, varia de R$ 10 a R$ 15, e quando aparece a oportunidade, ela é
disputada. Com isso, os homens
vão assumindo o trabalho doméstico, enquanto as mulheres
trabalham fora.
Falta de perspectiva
Assim que o carro de reportagem da Folha estacionou em
frente à Associação de Moradores
do Parque da Conquista e começou a circular a informação de
que o assunto era desemprego,
homens e mulheres se ofereceram
para relatar a situação em que vivem.
A dificuldade financeira das famílias é visível até pelas promoções feitas pelo comércio. Na fachada de um salão de beleza, o
cartaz anuncia que os clientes
concorrerão ao sorteio de uma
cesta básica.
Eram 10h da manhã e não havia
jovem nas ruas. Segundo os pais,
eles dormem até tarde porque
não têm como ocupar o dia. "A
única diversão deles é ficar de papo na pracinha. A praça começa a
encher no final da tarde e só esvazia na madrugada", descreve o ex-guarda-costas José Luiz Benedito
da Silva, 53, morador da casa de
número 12. Ele se aposentou há
dois anos, depois de três pontes
de safena. Com uma pensão equivalente a três salários mínimos,
considera-se privilegiado em relação aos vizinhos.
A falta do que fazer é um problema também para os adultos. A
desocupação torna os dias longos,
e os fins de semana, iguais aos
dias úteis. Para passar o tempo, os
homens jogam dominó e, como
não têm dinheiro para as apostas,
inventaram uma forma gratuita
de tornar o jogo mais emocionante. Quem perde é obrigado a beber de um a quatro copos de água,
dependendo de como o jogo foi
encerrado: se foi uma vitória simples ou de "gabão", com as duas
pontas fechadas com pedras
iguais.
O desemprego traz uma outra
consequência: os moradores ficam cada vez mais confinados no
bairro porque não têm dinheiro
para a passagem de ônibus. Marcos Macedo, 19, está há quatro
meses sem sair de Parque da Conquista. A passagem de ônibus para o centro de Caxias ou para outros bairros do município custa
R$ 2,80, ida e volta, e ele não dispõe sequer desses recursos.
No centro de Caxias há um restaurante popular mantido pelo
Estado com refeição a R$ 1.
O mineiro José Alves Moreira,
55, morador da casa de número
14, está desempregado já faz um
ano e meio. Ele diz que gostaria de
levar a mulher e a neta ao restaurante, mas que não dá, porque
gastaria com passagens quase o
triplo (R$ 8,40) do preço da comida para os três.
Ele conta que a família está sobrevivendo do salário da mulher,
que recebe R$ 220 por mês como
servente de uma escola pública. O
casal tem um filho com deficiência mental, que recebia pensão de
um salário mínimo da União. José
Moreira diz que o INSS suspendeu a pensão quanto descobriu
que a mãe tinha emprego.
O mineiro usa uma expressão
corriqueira no bairro ao ser indagado sobre quanto consegue ganhar com os biscates que faz como servente de obra e capinas:
"mal dá para o sal", responde.
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