São Paulo, domingo, 27 de outubro de 2002 |
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CENÁRIO Projeto petista inclui reformas que ficaram incompletas na atual gestão, em parte devido à oposição sistemática do próprio PT Legado de FHC deve inspirar mudança sem ruptura total
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O legado do governo Fernando Henrique Cardoso deixa seu sucessor diante de um paradoxo: será obrigatório mudar a política econômica, mas, ao mesmo tempo, manter seus alicerces fundamentais e retomar a agenda de reformas liberalizantes de FHC. A mudança é um imperativo político e econômico, traduzido em uma intervenção estatal mais agressiva destinada a elevar as exportações, nos moldes da estratégia desenvolvida nos tempos do regime militar. Não por acaso, o ex-ministro Delfim Netto, hoje deputado pelo PPB-SP, virou um dos conselheiros do virtual eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Dessa forma, espera-se, será corrigido o que foi apontado por muitos como o principal calcanhar-de-aquiles da estratégia de FHC, a dependência em relação ao capital estrangeiro. Por esse diagnóstico, o crescimento do país foi medíocre no período devido à necessidade de manter juros altos para atrair dólares. O que os militares não conseguiram, porém, foi combinar o ímpeto desenvolvimentista e exportador com o equilíbrio das contas públicas e o controle da inflação, dois valores fixados pela era FHC -no caso do primeiro, mais no âmbito conceitual que nos resultados obtidos. Não foi por outro motivo que Lula se comprometeu a manter as metas de inflação, a abertura da economia, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o acordo com o FMI. Quando FHC assumiu a economia, ainda ministro da Fazenda, o país tinha pouco crescimento, superávits comerciais, uma superinflação e uma dívida pública em alta, mas ainda pequena. Agora, continua sem crescer, voltou a ter superávits comerciais, tem uma superdívida pública e uma inflação em alta, mas ainda pequena. A dívida pública superior a R$ 800 bilhões, resultado da combinação de juros altos e desequilíbrio fiscal no primeiro mandato, impõe ao futuro governo a necessidade de manter a política de arrocho fiscal imposta pelo FMI a partir do segundo mandato. A inflação em alta, decorrente da recente disparada do dólar, tornará necessária, pelo menos no próximo ano, a manutenção dos juros altos que têm impedido o crescimento econômico. Já a volta dos superávits comerciais tem sido comemorada pela equipe de FHC como a evidência de que foi equacionada a dependência em relação aos empréstimos e investimentos estrangeiros. Não é bem assim: os megassuperávits de US$ 11 bilhões e US$ 15 bilhões esperados para este ano e o próximo, respectivamente, foram graças à crise econômica internacional que gerou escassez de dólares, elevou as cotações e barrou o consumo e as importações. Está por ser comprovada a tese de que o desempenho pode se repetir com dólar em queda, juros menores, alta do consumo e crescimento econômico acima de 4% ao ano, o cenário com que o PT sonha para 2004 em diante. É curioso que, no programa de Lula, a solução para combinar crescimento, estabilidade e equilíbrio nas contas públicas e externas passe por reformas que ficaram incompletas na gestão de FHC -em parte, devido à oposição sistemática do PT. Continuidade Cheio de ressalvas e meias-palavras, sem nunca descer a detalhes concretos, o programa petista considera fundamentais mudanças na legislação trabalhista e previdenciária para diminuir a informalidade no mercado de trabalho e acertar as contas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). O cuidado com os dois temas se justifica: não se conhecem meios de alcançar tais metas sem eliminar ou reduzir direitos previstos na Constituição e na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O PT também quer reeditar a reforma tributária, para reduzir a tributação sobre a produção e os assalariados de baixa e média renda. Embora defendida na teoria por FHC, essa reforma não andou por falta de consenso e medo de queda da receita. Da agenda original de FHC, o PT só não repete a quebra dos monopólios estatais, já concluída, e o processo de privatização. Foi acrescentada, é verdade, a política industrial destinada a elevar as exportações do país, o que, no entanto, parece pouco para caracterizar a "ruptura" pregada por Lula. Está mais para "continuidade sem continuísmo", lema de Serra. (GUSTAVO PATÚ) Texto Anterior: Eleito terá acesso a informações Próximo Texto: Janio de Freitas: Enfim Índice |
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