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ENTREVISTA
Abranches acha que só a TV definirá 1º turno e que nenhum candidato é totalmente confiável para o mercado
Cientista político minimiza a "onda Ciro"
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O cientista político Sérgio
Abranches, 52, acha cedo demais
para saber quais candidatos à Presidência passarão para o segundo
turno. Para ele, a disputa entre
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PPS) e José Serra
(PSDB) só vai se definir durante o
horário eleitoral gratuito na TV.
Abranches acredita que a subida de Ciro nas últimas pesquisas
já era previsível. Cada um dos
candidatos teve a sua "onda".
Agora, afirma, é o momento do
candidato do PPS.
O cientista político acha que o
mercado não considera nenhuma
das três candidatura totalmente
confiável. "Por causa do potencial
do país e dos riscos de curto prazo, o mercado está à beira de um
ataque de nervos", afirma.
Abranches, que atua hoje como
consultor independente, é autor
de "Presidencialismo de Coalizão", um conceito que desenvolveu nos anos 80 para mostrar a
dependência do presidente da República a uma grande coalizão. O
livro deve ser reeditado em breve.
Folha - A subida de Ciro Gomes
nas pesquisas não for maior do que
se esperava?
Sérgio Abranches - Não vejo nada muito espetacular nessa onda
Ciro. Quando o Serra estava na
crista da onda, ele chegou a atingir dez pontos de diferença sobre
Ciro. Agora, Ciro está 13 pontos a
frente de Serra. São números muito próximos. Se você pegar a média de todas as pesquisas, em
março, Serra estava nove pontos
na frente de Ciro, em maio caiu
para quatro, e em junho subiu para oito. Agora, em julho, Ciro está
sete pontos na frente de Serra.
Há, porém, uma diferença importante nessas eleições que favorece Ciro em relação a Serra e a
Lula. Uma eleição presidencial é
sempre uma eleição polarizada
entre governo e oposição. Até
pouco tempo, Lula era o candidato mais identificado como anti-FHC, e Serra, o mais governista.
Lula representava a ruptura e Serra o continuísmo. Nesse cenário
de polarização, Ciro tinha muitos
limites para crescer. Só que o Lula,
ao criar a idéia do Lula light, e o
Serra, ao optar por se tornar mais
independente do governo, acabaram se aproximando do Ciro. Por
isso, quando o Lula se afasta do
seu discurso de ruptura e o Serra
não é enfático ao defender sua linha governista, os dois fortalecem
o discurso do Ciro. Isso fez com
que a onda Ciro fosse mais visível,
mas não mais intensa do que o esperado e nem se pode dizer que
seja irreversível.
Folha - Lula está descaracterizado pela aliança com o PL?
Abranches - O Lula embaçou sua
imagem, mas não foi só com a
aliança com o PL. O problema é
que seu discurso não ficou muito
claro. Até pouco tempo, o documento do PT do Encontro Nacional de Recife, realizado em dezembro do ano passado, era considerado uma espécie de LDO (Lei
de Diretrizes Orçamentárias) do
PT. De repente, o programa do PT
mostra uma série de contradições
em relação ao documento de Recife. Onde está a verdade? O eleitorado começa a duvidar das propostas do PT. O PT costuma dizer
que os partidos socialistas mudaram. Sim, os partidos mudaram,
mas as cabeças também mudaram. O PT seria um caso inédito
no mundo de mudança com as
mesmas cabeças.
Folha - O sr. acha que os empresários começam a aderir a candidatura Ciro? As resistências e desconfianças estão se dissipando diante
da explosão dele nas pesquisas?
Abranches - Até um determinado momento, o empresariado estava com uma idéia de que a eleição ia ser decidida entre o Serra e
o Lula. Com a subida do Ciro, os
empresários começaram a perceber que os três são competitivos e
que os três podem chegar ao segundo turno. Os empresários vão
financiar a campanha dos dois,
tanto de Serra como de Ciro. A diferença, agora, é que com a subida
nas pesquisas de Ciro, ele vai ter
dez vezes mais dinheiro para a
campanha do que há dois meses,
quando até se discutia a possibilidade de ele abandonar a candidatura. O empresário, que antes ia
dar 100% para o Serra, vai passar a
dar 75% para o Serra e 25% para o
Ciro. Tem gente que está dando
até meio a meio. Até o Lula vai levar dinheiro do establishment,
aliás já levou em 94 e 98.
Folha - Além da exposição na TV,
a que fatores o sr. atribui a subida
de Ciro? O radicalismo verbal dele é
capaz de catalisar o apoio de uma
classe média que ainda teme o PT,
mas está insatisfeita com a situação econômica e com FHC?
Abranches - Pode-se dividir a
classe média em diversas partes.
Uma parte, que corresponde a
mais ou menos 30% da população
brasileira, que vive do setor público, perdeu bastante nos últimos
anos. Não teve aumento e a renda
caiu muito. Trata-se de um setor
predominantemente petista. É o
setor mais anti-FHC da sociedade. Uma parte desse eleitorado do
Lula, no entanto, começa a se
transferir para o Ciro. A razão disso é o fato de essas pessoas se
identificarem com a agressividade do discurso anti-FHC e anti-liberalismo de Ciro. Há uma outra
parte da classe média, que não depende do setor público, mas que
perdeu tanta renda, que tem dúvidas em apoiar a manutenção do
atual modelo econômico. Essa
parte está disposta a ouvir o discurso de Ciro de oposição e menos disponível ao discurso do PT.
Mas há uma parte da classe média
que, apesar de toda insatisfação,
não quer mudar e até tem medo
da agressividade do Ciro.
Folha - Serra ainda tem chances
reais de vencer as eleições?
Abranches - Todos os três são
competitivos e a situação ainda
não se cristalizou. Mesmo os
apoios políticos não estão ainda
cristalizados. Tudo depende da
campanha de TV. O tempo na TV
dos candidatos, o fator governo,
as mudanças na política e na economia, tudo isso pode mudar totalmente o quadro das eleições.
Folha - É correta a comparação de
Ciro com Collor?
Abranches - O que induz a comparação é o fato de os dois terem a
mesma idade de quando Collor
assumiu a Presidência, mais o fato
de representarem um tipo cultural do nordestino mais voluntarioso, mandão, que "comigo as
coisas acontecem". Outra semelhança é a linguagem mais agressiva dos dois. Mas acho que os
dois são muito diferentes. O Ciro
tem uma carreira política muito
mais consistente, e, além disso,
acho que ele não será capaz de ter
aquele comportamento quase altista do Collor em relação ao Congresso e às forças políticas e econômicas que o apoiavam.
Folha - Como sr. avalia o comportamento dos mercados no processo
eleitoral?
Abranches - O nível de incerteza
é muito grande. Nenhum dos
candidatos é considerado totalmente confiável. O mercado não
acredita na mudança do Lula, teme o Ciro e desconfia do Serra. O
país é ainda um dos poucos lugares onde os investidores enxergam condições de se ganhar dinheiro. Por causa desse potencial
do país e dos riscos de curto prazo, o mercado está à beira de um
ataque de nervos.
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