São Paulo, domingo, 28 de julho de 2002

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ENTREVISTA

Abranches acha que só a TV definirá 1º turno e que nenhum candidato é totalmente confiável para o mercado

Cientista político minimiza a "onda Ciro"

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O cientista político Sérgio Abranches, 52, acha cedo demais para saber quais candidatos à Presidência passarão para o segundo turno. Para ele, a disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PPS) e José Serra (PSDB) só vai se definir durante o horário eleitoral gratuito na TV.
Abranches acredita que a subida de Ciro nas últimas pesquisas já era previsível. Cada um dos candidatos teve a sua "onda". Agora, afirma, é o momento do candidato do PPS.
O cientista político acha que o mercado não considera nenhuma das três candidatura totalmente confiável. "Por causa do potencial do país e dos riscos de curto prazo, o mercado está à beira de um ataque de nervos", afirma.
Abranches, que atua hoje como consultor independente, é autor de "Presidencialismo de Coalizão", um conceito que desenvolveu nos anos 80 para mostrar a dependência do presidente da República a uma grande coalizão. O livro deve ser reeditado em breve.
 

Folha - A subida de Ciro Gomes nas pesquisas não for maior do que se esperava?
Sérgio Abranches
- Não vejo nada muito espetacular nessa onda Ciro. Quando o Serra estava na crista da onda, ele chegou a atingir dez pontos de diferença sobre Ciro. Agora, Ciro está 13 pontos a frente de Serra. São números muito próximos. Se você pegar a média de todas as pesquisas, em março, Serra estava nove pontos na frente de Ciro, em maio caiu para quatro, e em junho subiu para oito. Agora, em julho, Ciro está sete pontos na frente de Serra.
Há, porém, uma diferença importante nessas eleições que favorece Ciro em relação a Serra e a Lula. Uma eleição presidencial é sempre uma eleição polarizada entre governo e oposição. Até pouco tempo, Lula era o candidato mais identificado como anti-FHC, e Serra, o mais governista. Lula representava a ruptura e Serra o continuísmo. Nesse cenário de polarização, Ciro tinha muitos limites para crescer. Só que o Lula, ao criar a idéia do Lula light, e o Serra, ao optar por se tornar mais independente do governo, acabaram se aproximando do Ciro. Por isso, quando o Lula se afasta do seu discurso de ruptura e o Serra não é enfático ao defender sua linha governista, os dois fortalecem o discurso do Ciro. Isso fez com que a onda Ciro fosse mais visível, mas não mais intensa do que o esperado e nem se pode dizer que seja irreversível.

Folha - Lula está descaracterizado pela aliança com o PL?
Abranches
- O Lula embaçou sua imagem, mas não foi só com a aliança com o PL. O problema é que seu discurso não ficou muito claro. Até pouco tempo, o documento do PT do Encontro Nacional de Recife, realizado em dezembro do ano passado, era considerado uma espécie de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) do PT. De repente, o programa do PT mostra uma série de contradições em relação ao documento de Recife. Onde está a verdade? O eleitorado começa a duvidar das propostas do PT. O PT costuma dizer que os partidos socialistas mudaram. Sim, os partidos mudaram, mas as cabeças também mudaram. O PT seria um caso inédito no mundo de mudança com as mesmas cabeças.

Folha - O sr. acha que os empresários começam a aderir a candidatura Ciro? As resistências e desconfianças estão se dissipando diante da explosão dele nas pesquisas?
Abranches
- Até um determinado momento, o empresariado estava com uma idéia de que a eleição ia ser decidida entre o Serra e o Lula. Com a subida do Ciro, os empresários começaram a perceber que os três são competitivos e que os três podem chegar ao segundo turno. Os empresários vão financiar a campanha dos dois, tanto de Serra como de Ciro. A diferença, agora, é que com a subida nas pesquisas de Ciro, ele vai ter dez vezes mais dinheiro para a campanha do que há dois meses, quando até se discutia a possibilidade de ele abandonar a candidatura. O empresário, que antes ia dar 100% para o Serra, vai passar a dar 75% para o Serra e 25% para o Ciro. Tem gente que está dando até meio a meio. Até o Lula vai levar dinheiro do establishment, aliás já levou em 94 e 98.

Folha - Além da exposição na TV, a que fatores o sr. atribui a subida de Ciro? O radicalismo verbal dele é capaz de catalisar o apoio de uma classe média que ainda teme o PT, mas está insatisfeita com a situação econômica e com FHC?
Abranches
- Pode-se dividir a classe média em diversas partes. Uma parte, que corresponde a mais ou menos 30% da população brasileira, que vive do setor público, perdeu bastante nos últimos anos. Não teve aumento e a renda caiu muito. Trata-se de um setor predominantemente petista. É o setor mais anti-FHC da sociedade. Uma parte desse eleitorado do Lula, no entanto, começa a se transferir para o Ciro. A razão disso é o fato de essas pessoas se identificarem com a agressividade do discurso anti-FHC e anti-liberalismo de Ciro. Há uma outra parte da classe média, que não depende do setor público, mas que perdeu tanta renda, que tem dúvidas em apoiar a manutenção do atual modelo econômico. Essa parte está disposta a ouvir o discurso de Ciro de oposição e menos disponível ao discurso do PT. Mas há uma parte da classe média que, apesar de toda insatisfação, não quer mudar e até tem medo da agressividade do Ciro.

Folha - Serra ainda tem chances reais de vencer as eleições?
Abranches
- Todos os três são competitivos e a situação ainda não se cristalizou. Mesmo os apoios políticos não estão ainda cristalizados. Tudo depende da campanha de TV. O tempo na TV dos candidatos, o fator governo, as mudanças na política e na economia, tudo isso pode mudar totalmente o quadro das eleições.

Folha - É correta a comparação de Ciro com Collor?
Abranches
- O que induz a comparação é o fato de os dois terem a mesma idade de quando Collor assumiu a Presidência, mais o fato de representarem um tipo cultural do nordestino mais voluntarioso, mandão, que "comigo as coisas acontecem". Outra semelhança é a linguagem mais agressiva dos dois. Mas acho que os dois são muito diferentes. O Ciro tem uma carreira política muito mais consistente, e, além disso, acho que ele não será capaz de ter aquele comportamento quase altista do Collor em relação ao Congresso e às forças políticas e econômicas que o apoiavam.

Folha - Como sr. avalia o comportamento dos mercados no processo eleitoral?
Abranches
- O nível de incerteza é muito grande. Nenhum dos candidatos é considerado totalmente confiável. O mercado não acredita na mudança do Lula, teme o Ciro e desconfia do Serra. O país é ainda um dos poucos lugares onde os investidores enxergam condições de se ganhar dinheiro. Por causa desse potencial do país e dos riscos de curto prazo, o mercado está à beira de um ataque de nervos.


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