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JANIO DE FREITAS
Peles grossas
Em apenas três anos e
meio, o valor do dólar,
em relação ao real, subiu 200%.
E, no entanto, essa original estabilidade da moeda proclamada
no Brasil é uma das mentiras que
menos cresceram no índice da hipocrisia oficial.
São claros e taxativos os documentos oficiais do governo dos
Estados Unidos, coletados por
Marcio Aith para a Folha, em
que um brigadeiro do Brasil é citado, nominalmente, por atitudes para beneficiar a empresa
Raytheon na "concorrência" bilionária do Sivam, Sistema de Vigilância da Amazônia. Não é o
mais grave, porém. Outra citação
refere-se à oferta ao próprio embaixador dos Estados Unidos, pelo mesmo brigadeiro, de um
acordo de fornecimento de dados
do Sivam aos americanos. Nem é
o pior, ainda. É igualmente clara,
taxativa e nominal a referência à
entrega de um documento confidencial brasileiro a um diplomata americano, pelo mesmo brigadeiro Marcos Antônio de Oliveira, então coordenador da "concorrência" e hoje nada menos do
que chefe do Estado-Maior da
Aeronáutica.
Assim como o embaixador
Melvin Levitsky e os autores dos
demais memorandos ao Departamento de Estado não têm motivo, ao que se imagine, para inventar citações, o brigadeiro Oliveira tem motivos, sejam lá quais
forem, para negar os fatos mencionados. É o que faz, simples e limitadamente.
Não é o caso do presidente da
República, do ministro da Defesa
e do ministro do Gabinete Civil.
Depois de se referir a "intriga e
infâmia" sem ousar dizer se do
governo dos Estados Unidos ou
de quem seriam, Fernando Henrique Cardoso pretendeu desqualificar a revelação dos documentos desta maneira: "Com o tempo, a pele vira couro. Mesmo sendo couro, dói. Mas depois a história reconhece".
A questão não é dermatológica.
E a metáfora foi invertida. A pele
grossa não é consequência, é causa. É preciso ter uma couraça
muito especial para acobertar, a
priori, as indicações oficiais estrangeiras de um grave desrespeito ao país e a suas instituições. A
pele já grossa é que explica a proteção a todos os envolvidos em
práticas definíveis como corrupção, impedindo investigações e
CPIs. E a própria participação
em transações para manipular a
privatização das telefônicas.
A metáfora às avessas não impediu que então surgisse, embora
com retardo de quase anos, o preceito ético do governo. Sua apresentação não foi feita por Fernando Henrique, como deveria,
mas por Pedro Parente: "O progresso é feito pelos homens que
agem, não por aqueles que discutem como as coisas devem ser feitas".
É isso. Os atos do atual governo
são feitos por aqueles cuja pele
grossa os dispensa de discutir como as coisas devem ser feitas. E
tome de imoralidade. O que dá
razão, pelo menos, ao complemento de Fernando Henrique:
"depois a história reconhece".
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