|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMBATE À CORRUPÇÃO
Operações podem ser estratégia de marketing; para especialistas, é prematuro avaliar trabalho
Prisão de autoridades sugere nova política
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Parece a vingança da plebe rude:
o Brasil dos últimos 30 dias colocou na prisão um ex-governador,
um juiz federal, três delegados e
um agente da Polícia Federal; indiciou, também, o prefeito de
uma grande capital, o de Fortaleza. As cinco prisões em menos de
um mês são um quase nada numérico, mas representam uma
guinada pela posição hierárquica
das pessoas detidas.
A pergunta óbvia é: será que o
governo decidiu atacar de vez a
impunidade que é marca registrada da elite do crime ou trata-se
apenas de uma operação de marketing estrelada pela PF?
Não há uma resposta unânime
entre estudiosos, mas todos consideram prematuro apostar que o
combate ao crimes das elites tornou-se uma política pública.
O sociólogo Sérgio Adorno,
coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que a
simples simultaneidade das prisões sugere que "há algo de novo"
no combate à corrupção.
A grande dúvida, segundo ele, é
se o governo terá condições políticas de sustentar as ações. "Tudo
pode acabar num balcão de negócios, seguindo a velha prática de
conciliação da elite brasileira",
afirma o sociólogo.
"O problema é que, se a impunidade continuar, a elite ficará sem
moral para punir o andar de baixo", diz Adorno.
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança
do governo Fernando Henrique
Cardoso, tem na ponta da língua
um caso em que as injunções políticas acabaram por enterrar um
trabalho aparentemente exemplar da PF: a apreensão de R$ 1,3
milhão que seria destinado à campanha de Roseana Sarney (PFL),
no ano passado. Ninguém foi punido no caso.
Operações espetaculosas
Silva Filho não tem dúvidas de
que as operações em curso são
orientadas por uma estratégia de
marketing, nas quais as câmeras
de TV são um apêndice obrigatório. Ele elogia o "dinamismo e independência" do diretor-geral da
PF, Paulo Lacerda, mas acredita
que as omissões do órgão são
mais esclarecedores que as ações.
"Por que a PF não ataca o tráfico
de drogas, o roubo de cargas, a lavagem de dinheiro e a pirataria no
grande mercado do crime organizado, que está no Rio e em São
Paulo? Por que a PF não combate
o crime organizado?", dispara.
Ele mesmo responde: porque os
federais tornaram-se sócios do
crime organizado, como mostram as gravações feitas no curso
da Operação Anaconda.
O cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares, que ocupou até setembro a secretaria de
Segurança Pública no governo de
Lula da Silva, endossa a tese do
coronel sobre a omissão da PF no
combate ao crime organizado.
"A nossa questão é o crime organizado. Enquanto ele não for
enfrentado com método e tecnologia, o mais é adereço de cena, é
secundário", defende.
Soares diz que o grau de corrupção da Polícia Federal é tão acentuado que ele iniciou o projeto de
criação de uma força especial para
combater o crime organizado que
seria formada não pelos federais,
mas por um efetivo vindo das polícias Militar e Civil dos Estados
(leia texto abaixo).
Soares também elogia Lacerda
("um dos melhores diretores da
história da PF"), vê êxito nas operações, apesar de considerá-las
"espetaculosas", mas acha que esse não é o principal defeito desse
tipo de ação. Operações, por princípio, diz ele, têm um caráter "voluntarista e fugaz" e "isso é ruim
porque seus resultados não tornam-se políticas públicas".
Ações espetaculares, de acordo
com ele, podem ser o despiste de
problemas mais graves: "O sucesso dessas operações não pode
funcionar como uma cortina de
fumaça sobre a caixa-preta em
que a PF se transformou", afirma.
Marcos Ribas, professor da
UFRJ (Universidade Federal do
Rio de Janeiro) que estuda a história da polícia, vê as operações da
PF como parte das campanhas
que as polícias estão fazendo para
melhorar a imagem da corporação. "Não é uma ação isolada do
PT. O Garotinho também está
prendendo policiais, afastando
delegados. É uma ação dos políticos que têm sensibilidade para o
clamor popular", diz.
Nesse sentido, as operações refletiriam uma intolerância maior
da sociedade em relação à corrupção, como afirma o cientista político Leôncio Martins Rodrigues,
professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
O saldo positivo desse movimento, para Ribas, é a quebra do
corporativismo policial: "Se o governo acabar com o corporativismo, terá mudado a polícia".
Texto Anterior: Grupo especial pode ser criado para o setor Próximo Texto: Governo estuda criar força de segurança Índice
|