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JANIO DE FREITAS
Grande mentira
O Brasil, pelo visto, especializou-se em presidentes para uso externo. Um produto que
faz sucesso lá fora. Em parte, pela
confusão que certos correspondentes cometem entre suas empolgações tropicais e as realidades menos coloridas. Além disso,
porque lá fora os presidentes se
têm mostrado estadistas extraordinários.
As viagens de Luiz Inácio Lula
da Silva ao Peru e à Venezuela
foram grandes sucessos, e não
era para menos: "Em sete meses,
fiz o que outros não fizeram em
12 anos". Quantos governantes,
ao longo da história, poderiam
dizer o mesmo? Nem Juscelino,
que proclama realizações de 50
anos em cinco.
É para continuar as realizações
formidáveis que o governo montou o Orçamento da União para
2004 e o divulgou um tanto às
pressas para abafar o desastre
sofrido por sua "reforma" tributária na Câmara. Por hábito ou
lá pelo que seja, o governo deu a
esse projeto o mesmo tratamento
que teve o programa eleitoral de
Lula: combinou uma coisa em
um tal acordo com os governadores e fez outra, introduzindo
alterações determinadas ao deputado Virgílio Guimarães pelos
formuladores da política do ministro Palocci.
O Orçamento, porém, não interessa aos ouvintes e leitores de fora. E, aqui dentro, logo se constatou que o de Lula destina ainda
menos dinheiro que o de Fernando Henrique a investimentos sociais, reduz até o que o que o governo ainda anunciava depois
de esquecido o programa eleitoral, caso, entre outros, da reforma agrária, cujo atraso está
agravando, perigosamente, o seu
potencial conflituoso.
Mas, para dizer o menos, importa pouco ou nada o que está
no Orçamento. Nem merecem
maior crédito as comparações da
imprensa entre os Orçamentos
de Fernando Henrique/Malan/
FMI e os de Lula/Palocci/FMI. E,
nessa insignificação de uma das
peças mais importantes nas democracias, está uma das maiores
causas do atraso brasileiro.
O Orçamento deixado pelo governo Fernando Henrique para
2003 foi definido por Lula como
"muito apertado" e acusado de
não lhe permitir fazer quase nada. E o que fez o novo governo,
ainda no seu início, diante de tamanha carência? Cortou mais
R$ 14 bilhões, sobre os quais
mentiu ao negar corte de verbas
sociais, que de fato perdiam um
terço daquele total. Notável também, no corte, foi a incapacidade
política que o envolveu: os ministros Antonio Palocci Filho e Guido Mantega fizeram uma entrevista coletiva cheia de rapapés
para comunicar o arrocho indesejado por todo o país. Levaram
Lula, o governo e o PT a experimentar a primeira saraivada de
críticas. Durante oito anos, Fernando Henrique e Malan puseram as verbas sob torturas muito
piores, mas em silêncio anticríticas.
O Orçamento vai do governo
para o Congresso, recebe os recheios de interesse dos parlamentares, é aprovado como se
previsse as verbas destinadas a
cada atividade governamental, e
depois o governo, de cada verba,
gasta o que quiser ou nem gasta.
Porque não está obrigado a realizar as atividades prescritas pelo
Orçamento que o Congresso
aprovou. Durante meses e meses,
governo e Congresso consomem
tempo e dinheiro imensos para
fazer o que é pior do que uma peça de ficção: é uma grande mentira.
O Orçamento, nas democracias, deve ser a peça-chave para
que o Congresso -conjunto dos
eleitos para representar a voz dos
cidadãos- exprima os propósitos nacionais como um balizamento das atividades de governo. É um obstáculo a que o governo assuma o poder ditatorialesco de decidir, só pela vontade
um presidente ou de uns poucos,
as prioridades do país e o destino
do dinheiro público.
No sistema brasileiro de Orçamento e governo sem compromissos mútuos, ninguém sabe
para onde vai o país, nem o próprio governo sabe. Daí resulta a
falta de compromisso entre o discurso e a prática dos governos,
entre as aspirações da sociedade
e as ações governamentais, entre
os partidos e os seus programas,
entre as promessas de candidatos
e a sua ação de eleitos. É a desordem total e institucionalizada.
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