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Micro/Macro
Vinte anos de unificação
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
São já 20 anos desde que um grupo de
cientistas do Centro Europeu de Física de Altas Energias (Cern) em Genebra,
Suíça, detectou conclusivamente partículas que comprovaram a unificação de
duas das quatro forças fundamentais da
natureza: eletromagnetismo e força nuclear fraca. Hoje, gostaria de revisitar essa descoberta, cujas repercussões ainda
reverberam (e muito) pelo mundo da física.
Segundo o Modelo Padrão, que reúne
tudo o que se sabe sobre os tijolos fundamentais da matéria (as partículas que
não podem ser divididas em partículas
menores), existem quatro forças fundamentais, que descrevem como essas partículas interagem entre si. Duas são familiares: a gravidade, que descreve como
massas atraem massas, e o eletromagnetismo, que descreve como cargas elétricas iguais se atraem, opostas se repelem
e, também, a relação profunda entre eletricidade e magnetismo (já uma unificação), no qual cargas elétricas em movimento criam campos magnéticos.
As outras duas forças fundamentais só
agem em distâncias nucleares. Por isso
não nos damos conta de sua existência.
São a força nuclear forte, que descreve
como prótons, mesmo repelidos eletricamente, permanecem juntos nos núcleos, e a força nuclear fraca, que controla, entre outras coisas, o decaimento radioativo de vários átomos. A força fraca
só é ativa a distâncias cem vezes menores
do que um próton. Ela (como a força forte) é uma força de curto alcance. Curtíssimo.
Para entender o que significa unificar
forças, é necessário explorar como funcionam. Imagine dois patinadores no gelo. Vamos supor que cada um deles seja
um elétron. Como ambos têm carga elétrica negativa, quando muito próximos
eles sofrem uma repulsão. Essa repulsão
é representada pela troca de outras partículas que compõem o campo eletromagnético, chamadas fótons. Vamos representar os fótons por bolas de tênis. A repulsão entre elétrons pode ser representada por patinadores atirando bolas de
tênis um no outro. (Na verdade, a situação é um pouco mais complicada, pois o
fóton não tem massa, e a bola de tênis
tem, mas a imagem da força mediada
por partículas é válida.)
O curto alcance da força fraca seria representado por bolas de chumbo pesadíssimas: os patinadores só conseguem
atirá-las a curtas distâncias. Ou seja, as
partículas que medeiam a força fraca,
três em número, têm massas altíssimas.
Dentro dessa representação das forças
por partículas mediadoras, nada mais
distinto do que a força eletromagnética,
de alcance infinito, e a força fraca, de curtíssimo alcance. A diferença está na massa das partículas mediadoras: o fóton,
sem massa, tem alcance infinito (as bolas
de tênis são atiradas a qualquer distância), enquanto as três que medeiam a força fraca têm massa alta e curto alcance.
Nos anos 60, os americanos Steven
Weinberg e John Ward e o paquistanês
Abdus Salam, baseados em resultados de
outro americano, Sheldon Glashow, propuseram um modelo de unificação das
duas forças. A idéia básica é que, acima
de certas energias, da ordem de cem vezes a massa do próton dividida pela velocidade da luz ao quadrado (você se lembra de E = mc2? Invertida, essa relação
mostra que massa pode ser obtida de
energia, m = E/c2), a força fraca também
fica de longo alcance, como a força eletromagnética. Acima dessas energias, fica difícil distinguir entre as duas forças,
todas partículas ficam sem massa.
Bela teoria, mas como testá-la? Ela previa também as massas das três partículas
mediadoras da força fraca a baixas energias. Em maio de 1983, após quase uma
década de confirmações indiretas, experimentos no Cern encontraram as três
mediadoras da força fraca, com as massas previstas pela teoria. Estava confirmada a unificação das duas forças.
A história ainda não terminou. A teoria
prevê também a existência do bóson de
Higgs, responsável por dar massa a todas
as partículas de matéria. Até agora, o
Higgs não apareceu. Dois experimentos,
marcados para os próximos anos, vão
tentar achá-lo. Caso eles falhem, a estrutura da teoria e, portanto, da unificação
"eletrofraca" terá de ser repensada.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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