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Micro/Macro
Detectando a matéria escura
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Os recentes resultados do satélite
WMAP da Nasa confirmaram que,
de fato, 23% da matéria existente no Universo é muito diferente da matéria da
qual nós somos feitos. Diferente mesmo.
Ela não é formada por átomos com prótons, nêutrons e elétrons. Dos quatro tipos existentes de interação entre partículas de matéria -eletromagnetismo, gravidade, forças nucleares forte e fraca-,
ela experimenta apenas a força gravitacional e, talvez, a força nuclear fraca.
Isso significa que é extremamente difícil detectar essa matéria. Por ela não interagir com cargas elétricas (eletromagnetismo), não emite luz. Daí o seu nome,
"matéria escura". Em astronomia, sabemos que essa matéria existe apenas devido aos seus efeitos gravitacionais. Várias
técnicas observacionais acusam a sua
existência: a rotação das galáxias, mais
rápida do que se infere a partir da matéria que vemos nelas; a curvatura exagerada dos raios de luz de uma fonte distante,
ao passarem perto de uma galáxia ou um
aglomerado de galáxias; e outras.
Observações astronômicas fornecem
apenas evidência indireta da existência e
das propriedades da matéria escura. Para resolver definitivamente esse mistério,
é preciso detectar essas partículas aqui
na Terra. O problema é como.
Existem teorias alternativas da gravidade que usam modificações da teoria
da relatividade de Einstein para acomodar as observações astronômicas. Portanto, caso não seja possível detectar diretamente a matéria escura, essas teorias,
mesmo se inelegantes sob vários pontos
de vista, não poderiam ser descartadas.
Teríamos de aceitar a possibilidade de a
matéria escura não existir, e de a força da
gravidade ter um comportamento diferente a distâncias galácticas e intergalácticas. Viveríamos em um Universo que
permaneceria um mistério.
Existe uma outra possibilidade. Várias
teorias da física de partículas elementares, que visa entender a constituição fundamental da matéria, propõem a existência de partículas que ainda não foram
detectadas e que seriam excelentes candidatas para a matéria escura. A mais conhecida é chamada de supersimetria.
Deixando de lado os detalhes, ela prevê
a existência de novas partículas elementares. De fato, uma para cada partícula
elementar que já conhecemos. Em particular, prevê a existência da partícula
neutralino, que tem todas as propriedades de uma partícula de matéria escura: é
estável e, portanto, não se desintegra em
outras partículas mais leves; massa e
quantidade previstas na teoria são muito
próximas das necessárias para fornecer
os 23% de matéria escura do cosmo; interage não só através da gravidade, mas,
também, da força nuclear fraca. Essa última propriedade permite sua possível
detecção na Terra. O micro poderá resolver um dos mistérios do macro.
Se os cálculos estão corretos, cada metro quadrado de superfície da Terra (incluindo você) é atravessado por um bilhão de partículas de matéria escura por
segundo. Isso porque a Terra, com o Sistema Solar, gira em torno do centro da
Via Láctea a 220 km/s. Como a galáxia
está imersa em um véu de matéria escura, o efeito é como o de correr e sentir o
vento sobre a pele. Não sentimos o efeito
desse bombardeio porque as partículas
nos atravessam como se fôssemos fantasmas. Só muito raramente ocorre uma
colisão entre uma partícula de matéria
escura e uma de matéria normal. No máximo uma colisão por 10 quilos de matéria por dia. São essas colisões que podem
ser detectadas, fornecendo prova (ou
não) da existência de partículas de matéria escura. O problema é que, mesmo
quando ocorrem, elas são muito fracas.
Existem vários detectores espalhados
pelo mundo caçando neutralinos. Em
breve, eles serão sensíveis o suficiente
para detectar ou não essas partículas.
Usando técnicas diversas, eles medem a
energia transferida pelo neutralino para
um núcleo de matéria comum durante
uma colisão. O mistério da matéria escura poderá ser resolvido em menos de
uma década, juntamente com a prova da
existência de supersimetria. Ou não, nos
deixando mais uma vez pasmos perante
esse estranho Universo em que vivemos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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