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Enlatado parece "carne bovina de segunda"
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Quer experimentar carne de
baleia e contar que gosto tem?"
No princípio, aceitei, mas depois parei para pensar. Recebi
três latinhas trazidas do Japão,
duas delas com fotos que tanto
poderiam ser de picadinho de
boi quanto de soja texturizada.
Quando olhei a terceira, com
uma baleia ilustrada, balancei.
Mal tive tempo de recusar.
Outra mão já me entregava um
folheto de um restaurante japonês especializado na carne
do cetáceo e um folder com receitas. Sob o título "Let's
Cook!!", em inglês mesmo, o
texto estava em japonês.
Precisaria de um tradutor e
de alguém que soubesse lidar
com o conteúdo das latinhas.
Lembrei do Shin, o Shinya Koike, chef de cozinha nascido em
Tóquio e dono dos restaurantes
paulistanos Aizomê e A1.
Liguei e perguntei se ele já
havia provado carne de baleia
alguma vez na vida. Ele riu, como se a resposta fosse óbvia.
Expliquei o que precisava e
combinamos de nos encontrar.
Com o restaurante ainda vazio, entreguei as três latas. Shin
bateu os olhos e deu o veredicto, meio decepcionado: "Ah, já
está temperada. É um cozido,
um picadinho adocicado".
Como quase todo japonês de
sua geração, Shin, 50, cresceu
acostumado a comer baleia.
Quando criança, a carne do cetáceo era servida na merenda
escolar. "Antigamente, pegavam bastante. Agora, caiu a
quantidade e ficou muito caro."
Shin explica que cada parte
da baleia tem um nome. Faz um
desenho e aponta as "mais nobres", usadas para sashimi: ago-niku (no abdome) e ono-mi
(perto do rabo). Num dos folhetos, diz, lê-se "saiba preservar".
Preservar? Mas não são receitas? "São", diz, notando o paradoxo. Outro folder exalta dados nutritivos do cetáceo: muita proteína e pouco colesterol.
Shin pega uma latinha e vai
para a cozinha. Volta com um
prato bonito, com um pedaço
de nabo, tofu frito e, por cima,
baleia. Levo à boca tentando
não pensar no que é. E, se não
soubesse, seria facilmente enganada. Pensaria ser um picadinho de alguma carne bovina de
segunda, cozida por muito tempo. A aparência, a textura e o
gosto (embora mascarado pelo
molho) são mesmo parecidos.
Confesso que senti um grande alívio. O gosto não é surpreendente. E ainda que fosse,
há sabores suficientes no mundo. Já baleias...
JANAINA FIDALGO é repórter de gastronomia
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