|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Micro/Macro
Em busca da supersimetria
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
O desenvolvimento da física deve
muito ao conceito de simetria. Em
geral, a natureza é complexa demais para
ser descrita exatamente, em todos os detalhes. Felizmente, muitas vezes é possível desprezar a maioria das complicações, focando a atenção no essencial.
Se um objeto é apenas aproximadamente esférico, como a Terra, que é
achatada nos pólos e, portanto, tem forma oblonga, nós o aproximamos como
sendo esférico. Em algumas aplicações
da física nuclear, ótimos resultados podem ser obtidos considerando idênticas
as massas do próton e do nêutron, mesmo que em realidade o nêutron tenha
uma massa ligeiramente maior.
À parte a utilidade dessas simplificações, a busca por padrões e simetrias em
processos físicos revela propriedades
inesperadas. Átomos em estados excitados só podem emitir radiação em certas
frequências, que dependem da simetria
global do sistema. Mas é na física das
partículas elementares que o conceito de
simetria atinge o seu auge.
Tudo o que se sabe hoje sobre o mundo
dos constituintes fundamentais da matéria está resumido no chamado Modelo
Padrão. São 12 as partículas de matéria,
seis quarks (que compõem, entre outros,
o próton e o nêutron) e seis léptons (o
elétron é um deles). São quatro as forças
que regem as interações entre as partículas fundamentais: a gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares fraca e
forte. As forças entre as partículas de matéria também são descritas por partículas, chamadas bósons.
Uma imagem útil é a de dois patinadores no gelo atirando bolas de tênis entre
si. Os patinadores são as partículas de
matéria e as bolas de tênis são as partículas de força, descrevendo a interação entre as partículas de matéria. Por exemplo, dois elétrons, tendo a mesma carga
elétrica, se repelem. Essa repulsão é descrita pela troca de fótons, os bósons da força eletromagnética.
O Modelo Padrão foi tenazmente construído através da constante interação entre experimento e teoria durante os últimos 50 anos, mas é incompleto. Várias
questões permanecem em aberto.
As 12 partículas de matéria aparecem
em três "famílias" de quatro partículas
cada, dois léptons e dois quarks. A família que conhecemos melhor é a que contém o elétron, o seu neutrino e os quarks
"up" e "down", que compõem o próton e
o nêutron. Por que não quatro ou dez famílias? Por que existem apenas três forças fora a gravidade? Por que essas forças
têm intensidades tão diferentes? E como
construir uma teoria em que as quatro
forças sejam descritas como sendo apenas uma, a força unificada?
Tentativas de resposta invocam teorias
que vão além do Modelo Padrão, supondo a existência de simetrias e propriedades que ainda não foram detectadas. A
mais promissora tem o nome de supersimetria, pois relaciona os dois tipos de
partícula, as de matéria e as de força.
Segundo as teorias supersimétricas, cada partícula de matéria tem como companheira uma de força, e vice-versa.
Com isso, essas teorias dobram o número de partículas elementares. Apesar de a
supersimetria ter sido proposta há 28
anos, até agora nenhuma dessas partículas supersimétricas foi observada.
Apesar disso, as promessas dessas teorias são grandes o suficiente para justificar o otimismo de muitos físicos. Sem
dúvida, a supersimetria pode resolver
vários dos problemas do Modelo Padrão, explicando, por exemplo, por que
as forças têm intensidades diferentes, ou
como possivelmente construir uma teoria unificada das quatro forças.
Como a física é uma ciência baseada na
validação empírica das teorias, otimismo, por maior que seja, jamais será suficiente. Será necessária uma demonstração experimental da validade da supersimetria, possivelmente através da detecção direta de partículas supersimétricas.
Nos próximos anos, duas máquinas serão capazes de detectar (ou não) essas
elusivas parceiras supersimétricas. Uma é o acelerador Tevatron do Fermilab
(EUA), e a outra, o acelerador LHC do Cern (Suíça). Como prêmios Nobel estão
em jogo, a disputa EUA-Europa é intensa. Claro, existe sempre a possibilidade
de a supersimetria não existir. Afinal, a natureza tende a ser mais esperta do que nós. E talvez não tão simétrica assim.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
Texto Anterior: + ciência: Outras visões da vida Próximo Texto: Ciência em Dia - Marcelo Leite: Biotecnologia, incerteza e risco Índice
|