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Micro/Macro
O monstro no centro das galáxias
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
Até meados do século passado, galáxias eram ocasionalmente chamadas de universos-ilha. A origem do nome
tem a ver com nossas limitações como
observadores do cosmo: mesmo em 1924
pensava-se que a nossa galáxia, a Via
Láctea, fosse a única existente, uma ilha
flutuando no espaço. Quando o astrônomo americano Edwin Hubble mostrou
que a Via Láctea era apenas uma entre
muitas, o Universo passou a ser visto como uma espécie de oceano, repleto de
ilhas galácticas. Hoje, sabe-se que existem centenas de bilhões de galáxias, cada
qual podendo ter centenas de bilhões de
estrelas. Um dos maiores mistérios é entender o que existe em seu centro.
Existe toda uma taxonomia galáctica;
elas aparecem em vários tipos e tamanhos, formatos e composições. As mais
interessantes são as que apresentam uma
região central onde se detecta grande atividade. Essa detecção se dá por meio de
observações astronômicas em várias frequências, da luz visível aos raios X. Isso
acontece porque, em geral, não é possível
ver o que ocorre no centro de uma galáxia: a confusão é enorme, com quantidades gigantescas de radiação, matéria e
nuvens de gás bloqueando a visão.
Mas o que os olhos não vêem outras
frequências podem ver. Um exemplo familiar é um incêndio, no qual a fumaça
cobre o fogo (ou seja, o centro do incêndio é invisível aos olhos), mas podemos
sentir o seu calor, que nada mais é do que
radiação no infravermelho. Portanto,
um detector no infravermelho "vê" o incêndio com clareza. As galáxias mais interessantes têm o que se chama de núcleo galáctico ativo, uma verdadeira usina de energia, movida pela conversão de
energia gravitacional em radiação eletromagnética. No coração dessa usina reside um buraco negro gigantesco, com
massas que podem chegar a milhões ou
mesmo bilhões de massas solares.
A conversão de energia gravitacional
não é difícil de ser entendida: quando alçamos um objeto a uma certa altura, sabemos que, se o soltarmos, ele irá cair livremente. Quanto mais alto o objeto,
maior será a sua velocidade ao chegar ao
solo (isso quando desprezamos a resistência do ar, que é o caso de interesse
aqui). Portanto, a queda do objeto pode
ser descrita pela conversão de energia
gravitacional (sua atração pela Terra) em
energia de movimento, ou energia cinética. No caso, a gravitação da Terra funciona como combustível.
Voltando às galáxias, a presença de um
buraco negro super-maciço em seu centro exerce uma enorme força gravitacional sobre tudo que passa perto, digamos
algumas dezenas de anos-luz. (O leitor
não precisa se preocupar: estamos longe
do centro da galáxia, em torno de 26 mil
anos-luz. O Sistema Solar não será sugado, como água por um ralo.) Estrelas,
nuvens de gás, tudo vai sendo atraído em
direção ao monstro que mora no centro,
ganhando cada vez mais velocidade, como dita a conversão de energia gravitacional em energia cinética.
Toda matéria é feita de átomos, que
por sua vez são compostos de cargas elétricas, os elétrons e prótons (nêutrons
têm carga nula). Quando cargas elétricas
são aceleradas, elas emitem radiação eletromagnética. É essa a radiação que é observada em várias frequências, na medida em que matéria vai espiralando em
direção ao centro galáctico. Quanto
maior a aceleração da matéria, maior a
frequência da radiação emitida. A emissão de raios X indica eventos extremamente violentos.
Recentemente, astrônomos observaram a existência de estrelas jovens e muito maciças nas vizinhanças do buraco
negro central. Isto representa um mistério, já que estrelas maciças vivem por
pouco tempo, desaparecendo em explosões conhecidas como supernovas: se
elas foram formadas longe do centro,
não teriam tempo de chegar lá antes de
explodir. Será que é possível haver criação de estrelas perto do monstro central?
Veja que paradoxo: o grande destruidor
cósmico promovendo a criação de estrelas em sua vizinhança.
Várias explicações vêm sendo propostas, justificando a presença de estrelas jovens no centro galáctico. Nada me surpreenderia se, de fato, o buraco negro
fosse o motor criativo; um dos aspectos
mais fundamentais da Natureza é a conexão entre destruição e criação, que se
manifesta desde as menores estruturas
até as maiores. Talvez o centro galáctico
seja mais um exemplo disso.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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