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Micro/Macro
Finito ou infinito
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
No último dia 9, a prestigiosa revista
científica britânica "Nature"
(www.nature.com) publicou artigo de
um grupo de cosmólogos liderados pelo
francês Jean-Pierre Luminet que vem
causando grande estardalhaço. Segundo
Luminet e colaboradores, dados astronômicos recentes sugerem que o Universo não só é finito, mas com uma forma
global -uma topologia- bem definida,
dodecaédrica feito uma bola de futebol.
Parece que até a forma do Universo nos
lembra do que é realmente importante
na vida, uma boa pelada.
Justamente na semana da publicação
do artigo estava de passagem pelo Brasil
e, no dia 9 mesmo, fui participar de um
colóquio no Departamento de Física da
USP. Claro, a pergunta foi feita. "E então,
Marcelo, é finito ou infinito?"
Pensei no que sabemos a respeito. O
grupo de Luminet baseou suas conclusões em dados obtidos principalmente
pelo satélite WMAP, da Nasa (agência
espacial norte-americana), cuja missão
foi mapear em detalhe as flutuações na
temperatura do banho de radiação que
permeia o Universo. Flutuação aqui significa que o satélite mediu a temperatura
em direções diferentes do céu e comparou os seus valores.
Essa radiação cósmica de fundo, como
é chamada, é um fóssil de uma era importante na infância do Universo, quando foram formados os átomos de hidrogênio, em torno de 380.000 anos após o
Big Bang. Sua existência havia sido proposta por George Gamow e colaboradores no final da década de 1940, como consequência de um Universo primordial
muito quente e denso. Tão quente que,
durante seus primeiros milhares de
anos, elétrons e prótons, apesar de atraídos entre si eletricamente, não conseguiam formar átomos de hidrogênio.
Feito um triângulo amoroso, onde a radiação, muito energética (os fótons), impedia a ligação entre elétrons e prótons.
Gamow mostrou que um Universo em
expansão se resfriava. Depois, a radiação
deixou os elétrons e prótons em paz, passando a viajar livremente pelo Universo.
O satélite WMAP mediu as variações na
sua temperatura, com precisão de um
centésimo de milésimo de grau.
E o que isso tem a ver com a geometria
cósmica? No Universo, a gravitação reina
como a força suprema. Segundo a teoria
da relatividade geral de Einstein, a geometria do espaço pode ser deformada
pela presença de matéria. Com isso em
mente, voltemos ao Universo primordial, quando a radiação cósmica começou a se propagar pelo cosmo. Nele, haviam grandes concentrações de massa,
as sementes do que mais tarde viriam a
ser as primeiras estrelas e galáxias.
Imagine que você seja um fóton dessa
radiação. O Universo fica parecendo
uma corrida de obstáculos, com poços
mais ou menos profundos, dependendo
da concentração local de massa. Se você
cai em um poço, terá de gastar energia
para sair dele. Quanto mais fundo, mais
energia será gasta. Esses fótons cansados
são mais frios do que os outros. Essa é a
origem principal das flutuações de temperatura na radiação cósmica.
Antes dos dados do WMAP, tudo indicava que as flutuações de temperatura
eram compatíveis com um Universo plano, onde flutuações em todas as direções
eram possíveis. Isso mostrava que o Universo era "crítico", com a atração de sua
matéria contrabalançando exatamente a
taxa de expansão, em um cabo-de-guerra cósmico. Mas os dados do WMAP sugerem que o Universo seja "supercrítico", com um pequeno excesso de matéria. Esse excesso faz com que o Universo
tenha uma geometria fechada.
Isso foi visto nos dados do WMAP como uma supressão nas flutuações em ângulos mais abertos: quando a antena
aponta em direções do céu separadas por
ângulos de mais de 90, as flutuações de
temperatura praticamente desaparecem,
como se elas não coubessem dentro.
Pense em uma banheira cheia d'água.
Qual a maior onda que cabe nela? A com
o tamanho da banheira, certo? Pois bem,
o mesmo com o Universo.
A forma dodecaédrica é a que explica
melhor a supressão das flutuações a ângulos grandes. Se isso está certo ou não,
ainda não podemos afirmar. Em 2007,
outro satélite, mais bem equipado, será
capaz de resolver a questão por definitivo. Nesse caso, a ciência terá respondido
a uma pergunta que é tão antiga quanto a
história do conhecimento, o tamanho e
forma do cosmo em que vivemos.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do
livro "O Fim da Terra e do Céu"
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