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POLÍCIA
J.N., que já trabalhou para a quadrilha de João Arcanjo Ribeiro, diz que os grupos têm ramificações em 15 Estados
Testemunha revela organização do crime
IURI DANTAS
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O crime organizado funciona
no Brasil como uma empresa.
Quadrilhas que atuam em âmbito
estadual estão agrupadas numa
estrutura nacional, com ramificações em pelo menos 15 Estados. O
conglomerado do crime é chamado por seus integrantes de "organização". Possui colaboradores
infiltrados nos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário.
Todas essas revelações foram
feitas por J.N., uma testemunha
federal que, ameaçada de morte,
integra o programa de proteção a
testemunhas do Ministério da
Justiça.
J.N. trabalhou para a quadrilha
de João Arcanjo Ribeiro, conhecido como "comendador". A base
operacional do grupo é o Estado
de Mato Grosso. No momento,
Arcanjo Ribeiro encontra-se preso no Uruguai. Espera pelo julgamento de um pedido de extradição feito pelo governo brasileiro.
A Polícia Federal e o Ministério
Público investigam a atuação da
quadrilha do comendador em
cinco Estados. A investigação envolve jogo ilegal, roubo de cargas,
tráfico de drogas e de armas, além
de lavagem de dinheiro.
J.N. abandonou a quadrilha de
Arcanjo no ano passado, quando
seu irmão foi morto. Hoje, é testemunha em processo da Justiça Federal sobre o assassinato de Rivelino Brunini, radialista morto em
2002. Em depoimento formal, J.N.
disse que Arcanjo Ribeiro seria o
mandante do assassinato. Mais:
teria encomendado também a
morte do procurador da República, Pedro Taques, de Mato Grosso. Ele é do cerco ao grupo de Arcanjo. Recebe proteção da Polícia
Federal.
J.N. afirmou também no depoimento à Justiça que Arcanjo Ribeiro seria "testa-de-ferro" e "gerente operacional" do traficante
Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, preso em
São Paulo.
Ainda de acordo com a testemunha, o "comendador" teria encomendado a morte do advogado
Joaquim Marcelo Denadai, ocorrida em abril do ano passado no
Espírito Santo.
Após a morte de Denadai, o Ministério da Justiça ensaiou uma
intervenção federal no Espírito
Santo. A operação, frustrada, contribuiu para a saída do advogado
Miguel Reale Júnior da pasta, ainda sob o governo de Fernando
Henrique Cardoso.
Em junho de 2002, foi criada
uma força-tarefa federal para coibir o crime organizado capixaba.
Resultou na prisão do ex-presidente da Assembléia Legislativa
do Estado José Carlos Gratz, por
suposto envolvimento com criminosos.
A reportagem da Folha localizou J.N. em Brasília. Entrevistou-o pessoalmente no último dia 23
de maio. Depois, ouviu-o várias
vezes por telefone. Os contatos foram gravados.
Nos diálogos com a reportagem
J.N. fez revelações que não constam de seu depoimento à Justiça.
Afirmou, por exemplo, que o "comendador" Arcanjo Ribeiro seria
apenas elo de uma corrente de
facções criminosas em atuação no
país. Os grupos teriam se unido
para facilitar a entrada, saída e
distribuição de drogas e armas
nos Estados.
Batizada de "organização", a
união dos bandidos estaria presente em pelo menos 15 Estados.
Importaria cocaína e heroína da
Colômbia, pasta para refino de
cocaína da Bolívia e maconha do
Paraguai.
Incomodado com a desenvoltura de J.N., o Ministério da Justiça
excluiu-o do programa de proteção a testemunhas. Alegou que ele
não seguia regras básicas de segurança.
Na última quarta-feira, a pedido
do Ministério Público, J.N. foi
reinserido no programa. Foi
transferido de um albergue numa
cidade-satélite de Brasília para
uma casa em outro Estado.
Segundo J.N., parte dos "homens de baixo" da "organização"
seria recrutada entre pessoas
egressas das Forças Armadas. Ele
próprio é ex-fuzileiro naval. Os
atrativos desse tipo de mão-de-obra seriam os conhecimentos
em comunicações e informática,
além da habilidade com o manuseio de armamentos.
J.N. citou o nome de deputados
federais, senadores, juízes e um
governador. Manteriam, segundo
ele, relações com a "organização".
Prestariam favores a criminosos
em troca de dinheiro. A Folha
omite os nomes por não haver
comprovação do envolvimento
das autoridades.
O Ministério Público mantém
um pé atrás em relação às "informações" prestadas. Os procuradores receiam que J.N. esteja vitaminando dados com o objetivo de
"se valorizar". Por ora, deram-lhe
crédito apenas na parte do depoimento que diz respeito às investigações em torno de Arcanjo Ribeiro.
Carecem de apuração os trechos
que mencionam o suposto envolvimento de bandidos com licitações públicas em áreas como coleta de lixo e transportes urbanos,
contatos com autoridades do Estado, financiamento de campanhas políticas e reuniões de chefões do crime organizado.
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