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GILBERTO DIMENSTEIN
A descoberta do antídoto contra a violência
Na semana em que ocorreu
mais um crime de repercussão nacional -o assassinato, no
domingo passado, do produtor
musical Almir Chediak-, foram
exibidos simultaneamente o veneno e o antídoto da epidemia de
violência.
Inútil ficar repetindo o que todos já sabem: sem aumento do
emprego e da renda, mesmo a
mais eficiente das ações contra a
pobreza apenas "corre atrás do
prejuízo", não sai do lugar; é a tal
imagem da bicicleta ergométrica
citada por Lula.
Por isso o principal fato social
do governo Lula até aqui foi o recorde no nível de desocupação na
região da Grande de São Paulo,
divulgado na quarta-feira passada -o veneno da marginalidade.
No caso, a bicicleta andou para
trás. Desde que o Dieese e a Fundação Seade começaram a medir
tal índice, em 1985, não se tinha
registro de um desemprego
de 20,6%.
O recorde apenas acentuou ainda mais a distância entre o que o
presidente prometeu no palanque
e o que a realidade está oferecendo; entre o que ele imaginava (ou
dizia que imaginava) que faria e
o que está fazendo. Difícil, porém,
saber se enganou ou se estava se
enganando, se desinformou os
eleitores ou se estava
desinformado.
Até aí, são apenas obviedades.
Quem não se emociona com discursos de palanque já sabia que,
pelo menos neste ano, Lula teria
pouco a apresentar devido, em
larga medida, à herança que lhe
fora deixada e ao futuro de limitações que o esperava.
O que não é óbvio: a formação
de um consenso em torno de práticas que se prestam a antídotos
contra a violência. Duas medidas
anunciadas na semana passada
revelam a percepção da importância do capital social, que é a
rede de relações em torno da família, da escola, dos templos,
dos clubes.
O Ministério do Trabalho
anunciou, na quinta-feira, que,
no programa Primeiro Emprego,
haverá um estímulo especial a
quem executar serviços sociais. O
jovem receberia um salário para
atuar como agente comunitário.
Aquele que seria um candidato à
marginalidade passa a melhorar
o lugar em que vive, tornando-se
uma referência. Seu papel, em essência, é gerar capital social.
Em parceria com a Unesco, o
governo de São Paulo lançou um
programa para manter as escolas
estaduais em funcionamento nos
fins de semana e nos feriados,
abrindo suas portas à comunidade; é o mesmo princípio do Centro
Educacional Unificado (CEU), da
prefeita Marta Suplicy. Ou seja,
acredita-se que a escola seja um
elemento nuclear para a formação de capital social.
Com as escolas abertas, veio
mais uma proposta: estudantes
de faculdades privadas que desejassem trabalhar nos fins de semana nas escolas ganhariam
uma bolsa para pagar suas mensalidades -com a condição de
que fossem oriundos da educação
pública.
Assim, de um lado, ajudam-se
jovens a fazer curso superior e, de
outro, melhora-se a escola, aproximando-a da comunidade. Essa
proposta surgiu em Goiás, vem
ganhando dimensão em São Paulo e consta dos planos do Ministério da Educação. Não será uma
experiência localizada, mas um
plano nacional.
Não é a pobreza o combustível
da violência -países bem mais
pobres do que o Brasil não são tão
violentos-, mas o drama de não
se sentir pertencente à sociedade.
Num ambiente em que os indivíduos não estabelecem relações
pessoais produtivas e afetivas, o
desemprego e os baixos salários se
convertem em delinquência.
Há no Brasil várias experiências, como as da favela Monte
Azul ou de Paraisópolis, em São
Paulo, e o morro da Mangueira,
no Rio, onde, por causa da teia de
relações familiares e sociais, a incidência de criminalidade é bem
mais baixa se comparada à de lugares com o mesmo nível
de renda.
Mais cedo ou mais tarde, o Brasil vai voltar a crescer -até porque, se não crescer, seremos qualquer coisa, menos um país. Nesse
momento, todas essas experiências de geração de capital social
farão, de fato, efeito, desde que,
claro, não perdurem as políticas
desfocadas e fragmentadas, na
crônica incompetência dos programas destinados a reduzir
a pobreza.
PS - O que está faltando, vou repetir, é um Plano Marshall para
os guetos de violência no Brasil. O
Plano Marshall foi patrocinado
pelos norte-americanos para recuperar a Europa destruída depois da Segunda Guerra Mundial
e para evitar que nações fossem
seduzidas pelos comunistas. Governos federal, estadual e municipal deveriam mapear os bairros
mais violentos, onde trabalhariam juntos combinando repressão com prevenção.
Uma tímida (e bem tímida,
aliás) amostra dessa ofensiva
ocorre hoje no Jardim Ângela, um
dos bairros mais violentos do Brasil. Jogam-se ali recursos públicos
e privados (de entidades não-governamentais) em programas para a juventude e para a promoção
da família, que envolvem cultura,
esporte e educação. A situação
continua ruim, mas, no ano passado, a taxa de homicídio ali despencou 18% em relação à de 2001.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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