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CECILIA GIANNETTI
A Stasi das curvas femininas
Um padrão de beleza menos famélico não faria das modelos cabides menos eficazes
para as criações das grifes
ESTA COLUNA VAI para as meninas que fazem pequenos cortes com gilete nas coxas que
consideram grossas demais; para as
mulheres que entram na faca em lipoesculturas arriscadas e desnecessárias. E para a gente incapaz de estabelecer mentalmente a diferença
entre uma modelo bem paga que
desfila no São Paulo Fashion Week e
a estudante que desfila em festinhas
de faculdade.
O assunto predominante na última SPFW foi a "obesidade" da modelo tcheca Karolina Kurkova. Como diria meu avô, eu já estava p****
dentro da roupa para escrever sobre
isso. Passou-se uma semana desde o
acontecido, mas nunca é tarde para
se comentar asneiras daquele naipe.
No sábado, dia 21, o stylist Paulo
Martinez afirmou aos jornais:
"Achei ela obesa, foi um erro trazê-la", referindo-se à top Karolina.
Concordamos que modelos internacionais que recebam cachês estratosféricos para desfilar de biquíni
devem vir secas -como pede o padrão da moda. Porém, a obesidade é
reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma doença grave. Chamar de obesa Karolina Kurkova é um exagero irresponsável de
quem se esqueceu de que existe um
mundo fora daquele dos desfiles.
Irresponsável porque atinge de
maneira negativa meninas que podem morrer em função de distúrbios alimentares -e mulheres comuns que morrem por dentro por se
acharem inadequadas até para arranjar um parceiro, sair na rua ou,
simplesmente, comprar um vestido.
A modelo jamais deveria ter aceitado uma grana preta para exibir a
bunda onde celulites haviam teimado em aparecer. Mas chamá-la de
"obesa" mexe com mulheres que vivem fora desse universo onde é comum uma adulta vestir 32.
Gente comum que não está doentiamente acima do peso -só fora do
que a Stasi do binômio moda-mídia
demanda- entra em parafuso com
tamanhas exigências. Um padrão de
beleza menos famélico não faria das
moças que desfilam profissionalmente cabides menos eficazes para
as criações das grifes. E tornaria menos infelizes mulheres que sofrem
por não se encaixar -em roupas e
no padrão de beleza.
A regra do raquitismo ultrapassa o
ambiente onde a moda é produzida,
entra sem cerimônia no nosso dia-a-dia, sem que a gente o peça. E mexe
com a cabeça de muita gente boa.
A modelo tcheca foi apedrejada
com adjetivos equivocados por ter
ultrapassado os, sei lá, 45 quilos considerados normais para pessoas de
1,90 m de altura. Tal incongruência
invade uma realidade na qual isso
não deveria existir como um padrão
comparativo. Chamar de "obesa"
aquela mulher gostosa é como dar
uma instrução à população feminina: "Alimentem-se exclusivamente
de alface, comprimidos de Desobesi
e água". Graças à inanição dessa dieta estúpida, em breve você perderá
muitos quilos, saúde e a capacidade
de fazer sinapses. Viva!
Na mesma semana do Kurkova
Gate fui cobrir a "Quartas Intenções", promovida por Silvia Paz
-primeira festa exclusivamente para mulheres em uma sauna gay no
Rio de Janeiro. Fêmeas de todos os
tamanhos e formas circulavam de
toalha ou biquíni. As menos tímidas,
seminuas. A ala masculina da Stasi
da SPFW teria ficado roxa de ódio
com a diversidade vista por lá; não
havia dedos acusatórios: "Celulites!
Obesa!". Fato: neste caso, mulher
gosta muito mais de mulher do que
alguns homens poderão jamais
apreciá-las. Porque, como diria a fofa Bridget Jones, é preciso gostar
"do jeitinho que ela é".
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