São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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ARTIGO

Aids e hepatite C

DAVID EVERSON UIP
ESPECIAL PARA A FOLHA

O programa brasileiro para tratamento de pacientes com Aids é um dos melhores do mundo. É reconhecido e testado como eficaz e exitoso.
Consiste em disponibilizar, pela Coordenação Nacional de DST/ Aids, 15 medicamentos para terapia anti-retroviral a adultos, crianças, gestantes que apresentem indicações clínico-laboratoriais pré-estabelecidas pelos consensos de especialistas que compõem os comitês-assessores para tratamento, de acordo com critérios técnico-científicos constantemente atualizados.
Dados oficiais, que avaliaram o custo-benefício do programa, mostram resultados impressionantes, tais como queda de 50% na taxa de mortalidade por Aids no país e economia de US$ 667 milhões, resultado da redução de 80% das internações hospitalares decorrentes de doenças oportunistas que foram evitadas.
O acesso universal e gratuito aos medicamentos anti-retrovirais, garantido pela lei nš 9.313/96, de iniciativa do senador José Sarney, é motivo de orgulho para nós brasileiros, que temos esse programa elogiado e imitado por países desenvolvidos e mais ricos.
Outro grande desafio de saúde pública surgiu quando, a partir de 1989, foi descoberto o vírus da hepatite C e os testes-diagnósticos evidenciaram a extensão do perigo e a gravidade do problema.
O vírus C é o mais comum agente etiológico, responsável pela doença crônica, cirrose e câncer de fígado em todo o mundo.
Nos EUA, são estimados 3,9 milhões de indivíduos com a presença de anticorpos e 2,7 milhões com o vírus detectável no sangue. No Brasil, os números devem ser semelhantes e de cinco a dez vezes maiores que os da Aids.
Fatores de risco frequentes na transmissão do vírus são o uso de drogas ilícitas por via venosa, transfusão de sangue e derivados, transplante de órgãos, acidentes perfurocortantes, hemodiálise e perinatal.
O grande avanço no tratamento das hepatites crônicas, causadas pelo vírus do tipo C, deveu-se ao reconhecimento da importância da associação interferon e ribavirina. Atualmente, quando é identificado o genótipo 1, prescreve-se, com sucesso, o interferon peguilado.
A co-infecção Aids e hepatite C, cada vez mais frequente, agrava o prognóstico dos pacientes, em face das dificuldades terapêuticas.
À semelhança do que acontece com a Aids, o diagnóstico, o tratamento, o monitoramento e a prevenção da hepatite C necessitam de consideráveis recursos financeiros.
A hepatite C é considerada, hoje, uma doença potencialmente curável, com índice de resposta sustentada superior a 60%. Não adotada a terapêutica adequada, até mesmo por falta de acesso aos medicamentos, de alto custo, só recentemente disponibilizados pelo SUS, e sendo doença de evolução lenta e silenciosa, a derradeira opção de tratamento é o transplante de fígado, cada vez mais bem-sucedido em nosso meio, mas muito mais oneroso aos cofres públicos.
Diante da extrema gravidade do problema, é necessária uma conjugação de esforços para viabilizar recursos, melhor racionalizá-los, distribuir medicamentos para as duas doenças, tendo como parâmetro os centros integrados de referência, treinamento e tratamento da Aids/DST/hepatites.
Os clínicos, gastroenterologistas, hepatologistas e infectologistas devem caminhar juntos, porque, desgraçadamente, há doentes e trabalho para todos.
Com uma determinação forte e adoção de uma política de saúde integrada podemos ter os mesmos êxitos do programa da Aids.


David Everson Uip é professor livre-docente da USP, professor titular da Faculdade de Medicina do ABC, diretor da Casa da Aids (Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias Fundação Zerbini) e diretor do Núcleo de Infectologia do Incor/HC-USP


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