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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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FABRIZIO FASANO,68 Nasceu em 1935 em Milão, norte da Itália, e chegou a São Paulo com dois anos. Tomou conta dos negócios da família, já um nome respeitado na gastronomia de luxo, foi empresário do ramo de bebidas e revistas. Em 1990, abriu seu Fasano, que seria o ponto zero do atual império.

DA REPORTAGEM LOCAL

Cabelos prateados, blazer marinho, calça marrom e sem gravata, seu traje diurno habitual, Fabrizio chega da rua e entra no saguão. Parece o personagem Marcello, de "A Dolce Vita", numa refilmagem 30 anos depois.
A rua, no caso, leva o nome de seu avô, Vittorio; o saguão é do hotel recém-inaugurado de R$ 50 milhões que ostenta o nome de sua família. Nos ombros, Fabrizio Fasano carrega um século de tradição na arte da gastronomia de alto luxo, inaugurada por seus antepassados em São Paulo em 1902.
O primeiro Fasano a desembarcar do lado de cá do Atlântico vindo de Milão foi justamente Vittorio, em 1890, para trabalhar na Brasserie Castelões, de portugueses, no então largo do Rosário (hoje praça Antônio Prado).
Doze anos depois, já como proprietário, rebatizaria de Brasserie Paulista e se tornaria um dos endereços refinados da cidade. "Naquela época, claro, a culinária era a chamada "internacional'; a regionalização das cozinhas é recente", ensina Fabrizio, que pontua as frases com um sorriso.
Ele apareceria na história aos dois anos, em 1937, trazido da mesma Milão pelo pai, Ruggero, que acabara de lutar na Guerra da Abissínia (1935-1936). Aterrissou na alameda Jaú, nos Jardins.
Quando não estava estudando no Dante Alighieri, Fabrizio jogava bola nas ruas do bairro, então residencial. "Não havia problemas de insegurança", diz ele. "A não ser um ou outro ladrão de casas, como o Meneghetti."

Estrogonofe, crepe e menta
De lá mudou-se para a rua Vieira de Carvalho, no centro, e de lá para os EUA, onde fez faculdade. Em 1958, hesitou entre ficar de vez ou voltar para a cidade e gerenciar o Jardim de Inverno Fasano, que começava a "pegar" no Conjunto Nacional, na avenida Paulista.
Voltou. O primeiro conselho de seu pai no novo emprego ficou marcado. "Filho, você é novo, não vá muito às mesas, os maridos são ciumentos. Mais ainda se estão com as amantes." Ok, respondeu, mas como reconhecê-las?
"Fácil", ensinou o pai. "Observe o cardápio." Segundo a tese de Ruggero, toda amante pedia coquetel de camarão de entrada, estrogonofe de prato principal, vinho Mateus rosê para acompanhar, crepe suzette na sobremesa e licor de menta para encerrar. "Era dito e feito", ri Fabrizio, hoje.
Ali, em acordo com os festivais da TV Record, ele recepcionou para shows de Nat King Cole a Sammy Davis Jr., passando por Sarah Vaughn e Marlene Dietrich.
Uma noite, em 1960, toca o telefone. Era um diplomata brasileiro, dizendo que "el comandante", Fidel Castro ele-mesmo, teria de fazer uma escala técnica em São Paulo, só seguindo na manhã seguinte para sua visita oficial à Argentina. E queria jantar ali.
Veio, viu e gostou. Distribuiu abraços e charutos, visitou o pessoal da cozinha e deu um autógrafo para Fabrizio, que o filho Rogério guarda até hoje. "Uma das pessoas mais carismáticas que já conheci na vida", lembra ele.
Quatro anos depois, a então Ultragás, hoje Agip, comprou tudo: o Jardim, as casas do centro, a confeitaria. Em 1968, fechou tudo (a empresa continua no Conjunto Nacional até hoje). Começaria o hiato gastronômico de Fabrizio que duraria até 1980.

Do Old Eight ao Brazilian Blend
Foi trabalhar na Abril como publisher da revista "Intervalo". Foi seu flerte com o mundo editorial. Mais tarde, fundaria com os amigos Luis Carta (1936-1994) e Domingo Alzugaray a Editora Três, onde ficaria meses. Ganhou dinheiro mesmo com bebidas.
Principalmente um velho conhecido dos brasileiros, o Old Eight, que criou em sociedade com a Drury's. "Percebi que havia um nicho de uísque de luxo nacional", conta. "Por um tempo, só deu Old Eight na noite daqui."
Lançou também o Weinzeller, primeiro vinho branco tipo alemão do país. Chegou a vender 500 mil caixas num ano. O sucesso de ambas as marcas, no entanto, foi seguido por um fracasso com nome e sobrenome: Brazilian Blend.
A idéia era fazer um bom uísque brasileiro, com malte gaúcho. Como o produtor havia misturado água oxigenada na destilação, a bebida perdeu a cor e ficou amarga ao chegar aos consumidores.
"Perdi tudo, pedi concordata, mas recolhi todas as garrafas e paguei conta por conta, com juros e correção", afirma. Era 1980. Na próxima década, Fabrizio faria o Fasano da rua Amauri, o Fasaninho, que despertaria no filho Rogério o gosto pela restauração.
O resto é história. Em 1990, a inauguração do Fasano da rua Hadock Lobo seria o ponto zero do atual império: daí viriam Gero, Parigi, Caffé Armani, o hotel...
Separado, pai também de Fabrício e Andrea, comanda uma empresa que serve mil refeições por dia, emprega 580 pessoas e deve faturar R$ 18 milhões em 2003. Não se arrepende de ter trocado os EUA pelo Brasil em 1958.
"São Paulo valeu a pena. Adoro isso aqui." (SD)


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