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GILBERTO DIMENSTEIN
O direito de brincar
Na contramão do mercado, um seletíssimo grupo de
escolas particulares da cidade de
São Paulo, incapaz de atender a
todos os pedidos de matrícula,
criou uma prova para selecionar
candidatos a vagas de ensino fundamental e médio. O chamado
"vestibulinho" -uma das preocupações até há pouco exclusivas
da elite paulistana, disposta a
bancar uma mensalidade acima
de R$ 1.000- tornou-se, na semana passada, foco de uma polêmica nacional.
Com direito a apoio do ministro
Cristovam Buarque, o Conselho
Nacional de Educação recomendou a proibição dos "vestibulinhos". Motivo: os testes gerariam
em crianças tão pequenas uma
ansiedade destrutiva, abalando-lhes a auto-estima.
Mas será que a responsabilidade do estresse é das escolas que
aplicam o teste ou dos pais que
submetem seus filhos ao processo
de seleção precoce?
Por conta da busca do sucesso,
uma tendência se espalha na sociedade -e explica, em parte, por
que os pais submetem seus filhos
ao "vestibulinho".
Crianças de famílias mais ricas
têm um cotidiano de executivo,
ocupadas de manhã até a noite.
Tudo isso em nome do futuro,
mais precisamente, em nome do
vestibular, porta para as melhores faculdades.
Talvez não exista como substituir o vestibular enquanto houver, nos cursos mais concorridos,
mais candidatos do que vagas
-aliás, é exatamente isso o que
ocorre no seletíssimo grupo de escolas que aplicam o "vestibulinho", disputadas porque as famílias confiam em sua qualidade.
Mas o vestibular como instrumento de avaliação de aptidões é
inútil; mede, no máximo, conhecimento passageiro e descartável.
Educar é ensinar o encanto da
possibilidade, e aprender é sentir
a emoção da descoberta. Gostar
de aprender sempre é o melhor (e
o mais útil) que uma escola pode
ensinar a seus estudantes. O resto
é detalhe.
Somente progride, de verdade,
em sua profissão quem gosta de
aprender; basta ver o histórico
das pessoas que atingiram sucesso profissional.
Ansiosos, os pais querem que
seus filhos aprendam rapidamente a ler e a escrever, quando deveriam apenas saborear a "contação" de histórias.
As crianças ganham computadores e são obrigadas a brincar
com jogos educativos; muitas são
submetidas a programações culturais maçantes. Quando crescem, são empurradas para os
mais diferentes tipos de curso
complementar.
Obviamente, nada contra programações culturais, domínio da
leitura, da escrita e da informática ou contra os cursos de línguas.
O problema surge quando se atinge, em nome do futuro, o direito
de brincar -e se arrisca, então, o
próprio futuro.
Brincar é, em essência, experimentar a emoção da descoberta.
É surpreender-se investigando, no
cume da árvore, as frutas e as flores. É admirar as conchas na
praia, olhar os peixes no rio, sentir o gosto da chuva no rosto, sujar-se na lama, entrar em cavernas. Ou simplesmente ficar sem
fazer nada vendo as coisas, quaisquer coisas, passarem, entretido
com o canto de um passarinho. É
cutucar a terra, descobrir a minhoca, cortá-la em pedaços e ver
as várias partes se contorcerem. É
ficar sentado, intrigado com as
cores do arco-íris.
Na brincadeira, unem-se o prazer e o aprendizado. Todos os
grandes profissionais que conheci
trabalham como se estivessem
brincando. Até podem gostar de
ganhar muito dinheiro, mas, provavelmente, fariam o que fazem
(e com o mesmo empenho) por
pouco dinheiro.
Dizem que a exceção confirma a
regra, mas ainda não vi, nesse caso, a exceção: quanto mais longe
vai o indivíduo, mais prazer ele
tem naquilo que faz. Por isso ele
suporta tanto estresse e frustração
-o preço que é cobrado pelo alto
desempenho.
Mesmo que curse a melhor faculdade e tire ótimas notas, o estudante não vai muito longe se
não tiver aprendido, dentro ou fora da escola, onde está o melhor
de si próprio. Isso significa que o
pior que pode acontecer a um
adulto é ter matado a sua criança
brincalhona.
Para ser um profissional razoável, estudo e empenho já são um
bom caminho. Para ser bom,
além de estudo e empenho, exigem-se talento e intuição. Mas
para ser inovador e superar os patamares de excelência, é preciso,
além de tudo isso, sentir sempre e
intensamente a emoção da descoberta -ou seja, gostar de brincar.
PS - Por obrigação profissional,
vivo metido no meio de pessoas
de sucesso, marcadas pela notável
superação de limites. Vejo como o
brilho provoca a ansiedade do reconhecimento permanente.
Aplauso vicia. Arriscando-me
aqui a fazer psicologia de botequim, frase de livro de auto-ajuda
ou reflexões vulgares da meia-idade, exponho uma desconfiança: o adulto que gosta de brincar e
não faz sucesso tem, em contrapartida, a magnífica chance de
ser mais feliz, livre do vício do
aplauso, mais próximo das coisas
simples. O problema é que parece
ridículo uma escola informar aos
pais que mais importante do que
gerar bons profissionais, máquinas de produção, é fazer pessoas
felizes por serem o que são e gostarem do que gostam.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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