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MEDITAÇÃO PROFUNDA
Kyol Che, ou "prática rigorosa", em coreano, impede participante de falar durante esse período
Retiro espiritual faz grupo ficar "mudo" por uma semana
PAULO SAMPAIO
DA REVISTA
"____", "pergunto", com a toalha de banho na mão, para a coordenadora da cozinha, Adriana.
"____", ela "responde", apontando o varal atrás do caramanchão.
Estou no segundo dia de Kyol
Che ("prática rigorosa", em coreano), retiro espiritual baseado
em rigorosa rotina de meditação,
cânticos e genuflexões à indiana
(abaixar a testa até o chão), que
começa às 6h45 e acaba às 21h. E,
por sete dias (R$ 910 por cabeça),
nenhum participante pode falar.
Os mentores são o ex-biólogo
molecular e hoje terapeuta esotérico Nuno Chacel, 42, nome espiritual Khalis (lê-se Calís), e a mulher dele, a psicóloga Ana Cristina
Lima, 34, rebatizada Tarika. Casados há sete anos, eles fundaram o
Instituto Renascimento de São
Paulo, que oferece aulas de ioga,
meditação, respiração e formação
em vidas passadas e renascimento
-além de retiros de meditação.
Neste Kyol Che, seis mulheres e
quatro homens estão em um sítio
em Camanducaia (MG). Na casa
com paredes de tábuas corridas,
chão de lajotas e pé-direito alto, o
celular fica desligado, não há TV
nem energia elétrica.
A Revista da Folha resolveu experimentar algo radical. "Você vai
ganhar uma compreensão do
funcionamento da mente que é
para sempre", explica Khalis. Ele e
Tarika negam estar ligados a uma
doutrina. "Todas as religiões dizem essencialmente a mesma coisa. Então, leio textos de mestres
orientais sobre a importância da
"prática" para a observação interior", diz Khalis.
A viagem
O primeiro encontro foi às 8h30
do domingo, o início da "viagem": duas horas em ônibus comercial até Camanducaia, serra
da Mantiqueira. O traslado até o
sítio, a uma hora dali por estrada
de terra, é feito de Kombi.
"Falo que nem papagaio, será
um trabalho de coragem", diz o
bancário Flávio Binder, 53. "Será
que aguento tanto tempo sem falar?", indaga sua mulher, Elena,
52. "Minha política é não esperar
nada", diz a comerciante Arlete*,
62, que já fez duas vezes o caminho de Santiago de Compostela.
A mais empolgada parece ser
Rafaela*, 40, profissional de marketing. "Isso pode mudar nossas
vidas. Para mim é um momento
muito importante, busco outro
modelo de felicidade."
Após trocar a Kombi (que não
aguenta o tranco) por um jipe
4x4, somos recebidos com longos
abraços por Khalis e Tarika. Eles
nos explicam a coreografia do retiro. Algumas regras:
1) Ao entrar na sala de meditação, todos devem reverenciar um
quadro de papel branco na parede. Simboliza "o mestre";
2) O colchonete preto usado para o "zazen" (ato de se sentar para
meditar) deve ser "passado" com
as mãos toda vez que o meditador
se levantar, e a costura do forro
deve permanecer do lado direito;
3) Só é permitido deixar a sala
nas caminhadas lentas, um passo-a-passo em que meia volta ao redor da sala pode levar 8 minutos;
4) Uma dupla por dia é encarregada da "meditação do trabalho",
ou seja, varrer e passar um pano
úmido na sala de meditação.
"Parece idiotice [manter a costura da almofada para a direita ou
para a esquerda], mas as regras
servem para ajudá-lo a manter-se
presente em todas as etapas da
meditação", explica Khalis.
A jornada
A primeira atividade do dia, em
jejum, às 7h, é o "bowing": em pé,
na almofada, o meditador deve
ajoelhar-se e inclinar o tronco até
a testa tocar o chão, sacudir os
braços e voltar à posição inicial
-108 vezes. Surge a primeira baixa de "corpo físico": Rafaela
aponta o pulso e "diz" "!".
Ainda em jejum, todos entoam
dois cânticos em coreano, três vezes cada. A letra de "O Grande
Darani" é cheia de "sara sara",
"guro guro" e "hye hye"; o fundo
musical lembra a batida de uma
colher no fundo de panela.
Café da manhã, intervalo e duas
horas e meia de meditação em posição de lótus. Khalis lê parábolas
e as interpreta enquanto seus
olhos percorrem a sala.
Durante os "compromissos" na
sala de meditação (genuflexões,
cânticos e práticas), concentro-me no pio dos pássaros, depois na
batida do meu coração e, por fim,
procuro perceber "esse espaço
que a gente chama de corpo" -e
noto que estou com cãibra na batata da perna direita.
Como ninguém pode reclamar,
Khalis se adianta. "Essa prática
pode trazer mudanças químicas
no organismo. Se sentir enxaqueca, não resista, deixe chegar."
Vem então a fase de abstração
mais difícil, uma hora de "meditação kundalini". Em 15 minutos,
com um som tipo "sintetizador",
o meditador deve se sacudir sem
tirar os pés do chão; em seguida o
ruído envereda para algo com um
pouco mais de ritmo.
Olho para o lado e vejo uma das
sexagenárias com os braços levantados, a outra com o queixo
empinado, ambas requebrando.
Uma delas se abaixa com os joelhos abertos, como um Jimmy
Hendrix sem a guitarra. Surge a
inveja: quero meditar também!
No quarto dia, Khalis informa:
"Nossa linguagem vai ficar diferente, é o que a gente chama de
zen". Ele adota a retórica dos
opostos: "o nada é tudo", "a dor é
a felicidade", "o vazio preenche".
À noite, quando o gerador é
desligado, por volta das 22h, a casa mergulha em uma atmosfera
de mistério que me lembra "O Caso dos Dez Negrinhos", de Agatha
Christie -ali muito mais para "O
Caso dos Dez Mudinhos".
A quinta traz o último e mais
emocionante capítulo do retiro.
Khalis avisa que há alguém quebrando regras. Soubemos depois
que era Rafaela, a moça que queria rever o "modelo de felicidade".
No sábado, Rafaela chuta o pau
da barraca, desata a falar compulsivamente e é enviada para São
Paulo de manhã, cerca de três horas antes do restante do grupo.
Após a última prática, somos liberados para falar. Cada um ganha o resumo do que foi lido, um
CD com os cânticos e uma pasta
sem nada dentro -"o vazio".
O pior não foi ficar sem falar,
mas ter me submetido à overdose
meditativa e às flexões, cânticos e
práticas. Os primeiros dias foram
mais fáceis porque relaxei. À medida que nos aproximávamos do
fim, fui perdendo a paciência.
Mas falar, mesmo, só dormindo,
segundo meu colega de quarto.
É claro que a vida na volta parece um mar de rosas e que nunca
mais vou esquecer essa semana.
* Nomes trocados a pedido
www.renascimento.com.br
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