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RETRATOS DO BRASIL
República concentra 37% das moradias unipessoais; ficar "perto de tudo" atrai os que vivem sós
"Sou muito independente", diz morador
DA REDAÇÃO
Dentro do distrito República,
no centro de São Paulo, encontram-se vários pontos notáveis da
cidade: os edifícios Copan e Itália,
a igreja da Consolação, a própria
praça da República.
É nele em que foi constatado o
maior percentual de moradias
unipessoais (37,1%). Em determinadas áreas do distrito, os números verificados pelo censo são significativamente maiores, chegando até a 67%. Esse é caso de um
setor na praça Roosevelt.
A Folha ouviu moradores que
vivem sós nessa área, que parece
ser descrita perfeitamente por
uma frase do psicanalista Contardo Calligaris, 54, sobre os centros
das grandes cidades: "É a quintessência do urbano, em que a circulação do desejo é quase tangível".
Renato de Freitas Tinoco, 49,
construtor, mora há 12 anos na
Roosevelt. Ele se diz feliz por viver
sozinho e não pensa em compartilhar seu espaço com ninguém.
"É da minha personalidade. Sou
muito independente. Gosto de família como visita."
Tinoco não tem idéia de mudar
de opção no futuro. "Na velhice,
quem socorre é o vizinho. A família vem depois." Ele relata uma
certa solidariedade formal no edifício em que mora. Em regra, nenhum vizinho bate na porta do
outro sem ser anunciado pela
portaria, mas existe cooperação
efetiva em caso de doença.
Ele se diz satisfeito com a região,
bem servida de transportes e de
serviços. "Faço tudo a pé."
Ter tudo próximo é algo muito
importante para Otilia Carvalho
Gonçalves, 85, viúva. Ela tem parentes que moram no Jardim Paulista e em Alphaville, mas prefere
morar na Roosevelt. "Imagine ter
de pegar condução para comprar
uma alface... Aqui tenho tudo perto: igreja, comércio, banco."
Terezinha Santana, 42, socióloga, também mora na Roosevelt.
Ela e o namorado não têm planos
de viver juntos. "O legal é morar
separado." Ela se define como
exemplo de mulher que busca a
própria independência. Terezinha valoriza a rede de amizades
que criou. Não teme a solidão
nem mesmo na velhice. "Vejo
com bons olhos até o asilo."
Ivone Morais de Oliveira, 45, está atualmente desempregada.
Concorda com os demais moradores ouvidos quando dizem que
a região é bem servida de serviços
e infra-estrutura, mas faz questão
de destacar a degradação urbana.
"Tá tudo muito sujo por aqui.
Tem muitos meninos de rua. Se
pudesse, eu mudaria."
Ivone também se considera satisfeita por viver sozinha. Diferentemente dos demais, ela aceita a
idéia de morar com o namorado.
Mas sob a condição de ter um
quarto só para ela.
Todos os moradores ouvidos
pela Folha se disseram satisfeitos.
O que talvez tenha pesado nas declarações possa ser resumido pelo
supervisor da Clínica Psicológica
da PUC-SP, Ari Rehfeld, a respeito dos benefícios e malefícios de
morar só: "Se você quer, é bom. Se
você não quer, é ruim".
Reinventando a família
O professor titular de antropologia social do Museu Nacional,
da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Gilberto Velho vê o
aumento do número dos lares
unipessoais como uma manifestação das mudanças que a família
vem sofrendo desde o século 19,
mas ressalta que não se trata de
um movimento linear e absoluto.
"Há outras tendências dentro da
sociedade, até contrárias, como os
filhos adultos permanecerem morando com os pais."
José Guilherme Cantor Magnani, 50, professor de antropologia
da Universidade de São Paulo,
destaca que a cidade oferece uma
rede de serviços e infra-estrutura
que possibilita que os habitantes
não dependam mais da relação
familiar tradicional. "As pessoas
não precisam mais dividir encargos domésticos. As necessidades
são supridas pela estrutura circundante. Podem, dessa maneira,
inventar arranjos criativos."
(EDNEY CIELICI DIAS)
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