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AMBIENTE
Líquido resultante da decomposição dos corpos pode transbordar para a superfície, além de contaminar águas subterrâneas
"Vazamento" de cemitério é ameaça à saúde
MELISSA DINIZ
MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL
Histórias de cemitérios são sempre assustadoras, principalmente
se não se enquadram na categoria
de ficção. Esses locais, que costumam ser evitados apenas pelos
supersticiosos, são fontes potenciais de contaminação ambiental
e podem colocar em risco a saúde
de visitantes, funcionários e até de
moradores vizinhos.
Uma pesquisa realizada no cemitério municipal da Vila Nova
Cachoeirinha, na zona norte de
São Paulo, constatou a presença
de vírus e bactérias provenientes
do necrochorume (líquido resultante da decomposição dos cadáveres) em águas subterrâneas.
Esse líquido pode vazar para a
superfície ou, em alguns casos, se
espalhar pelo subsolo e contaminar poços e córregos.
A pesquisa, que gerou uma tese
de doutorado, foi realizada pelo
engenheiro civil e hidrogeólogo
Bolivar Antunes Matos, no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo.
Segundo Antunes Matos constatou, fatores como tipo de solo,
quantidade de chuvas, colocação
do caixão diretamente na terra e
profundidade das águas subterrâneas, combinados à falta de higiene, fazem dos cemitérios verdadeiros depósitos de microrganismos nocivos ao ser humano.
Ele visitou o local de 1998 a 2001,
colheu amostras de água e utilizou indicadores biológicos e químicos que detectaram os agentes
patogênicos.
Durante a pesquisa, Antunes
Matos constatou as seguintes situações de risco: uso de água empoçada nas covas para regar plantas; coveiros fazendo exumações
sem proteção adequada; restos de
caixão e vestes funerárias depositados ao ar livre; e ausência de tratamento dos resíduos sólidos, como manda a legislação.
O pesquisador observou ainda
que o cemitério era usado como
área de lazer pelas crianças da vizinhança, que ficavam descalças
em contato com o lixo.
Segundo infectologistas, a ingestão, a inalação e o contato da
pele com esses microorganismos
podem causar doenças como febre tifóide, diarréia, gastroenterite e problemas respiratórias, dependendo do grau de contaminação, dos agentes encontrados e do
tipo de contato.
"A população do entorno e os
funcionários do cemitério estão
mais sujeitos à contaminação",
afirma o médico sanitarista Jorge
Kayano. Segundo ele, o uso de
equipamentos de segurança para
pessoas que lidam com cadáveres
é imprescindível.
Um dos problemas mais graves
observados por Antunes Matos
foi o vazamento do necrochorume. "Como o solo do cemitério é
argiloso, ocorre um empoçamento do necrochorume, que, na época das chuvas intensas, vaza para
a superfície e acaba atingindo calçadas e ruas onde andam pessoas
e animais."
De acordo com Alberto Pacheco, professor do Instituto de Geociências da USP, que orientou a
tese, os cemitérios são fontes potenciais de contaminação e, quando não são tomados os cuidados
necessários, esse risco se torna
efetivo. "Sabemos que o problema é próprio dos cemitérios municipais e já avisamos a prefeitura.
As normas sanitárias não são
cumpridas e não há fiscalização."
Em São Paulo, nem a Cetesb,
que tem uma norma para implantação de cemitérios, nem a Vigilância Sanitária fiscalizam os cemitérios municipais.
Segundo o Serviço Funerário
Municipal, os funcionários de cemitérios dispõem de todos os
equipamentos de segurança e não
usam por opção.
De acordo com a prefeitura, que
afirmou desconhecer o estudo, o
novo Plano Diretor, que deve ser
enviado à Câmara Municipal em
breve, estabelece a substituição
gradativa dos cemitérios tradicionais por verticais e o controle do
necrochorume.
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