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"A chuva trazia ossos e roupa de defunto"
DA REPORTAGEM LOCAL
"Enchente dentro de casa já é
ruim. Agora imagine uma enchente que traz pedaços de corpos, ossos e roupas de defuntos."
O marceneiro José Batista do
Nascimento, 60, se recorda sem
nenhuma saudade do tempo em
que, a cada chuva forte, o córrego
que sai da área do cemitério Vila
Nova Cachoeirinha inundava a
casa dele e, com a enxurrada, vinha todo o tipo de lixo funerário.
"Era como num filme de terror.
A gente estava vendo televisão e,
de repente, corria para dentro de
casa um monte de água suja com
paletós velhos e partes de esqueletos. Uma vez acho que veio um fêmur inteiro", conta Nascimento.
Ele mora há 16 anos na região
conhecida hoje como Cohab Engenheiro Guilherme Henrique
Pinto Coelho (que fica logo abaixo do cemitério) e convive diariamente com as consequências da
degradação ambiental causada
pelo Vila Nova Cachoeirinha.
No fim dos anos 90, quando retirou as pessoas que viviam na encosta do cemitério e construiu para elas um Cingapura ao lado da
Cohab, a Prefeitura de São Paulo
fez uma vala para conter o córrego e canalizou um trecho do seu
curso, mas sobre as águas que ficam a céu aberto se forma uma espécie de nata de sujeira, e o cheiro
de carniça -característico de
águas contaminadas por necrochorume- é uma constante.
Tão constante que Nascimento
afirma estar acostumado. "Mau
cheiro? Nem sinto mais", afirma.
As enchentes acabaram na casa
do marceneiro, mas continuam
na parte mais baixa do bairro, segundo a agente comunitária de
saúde Noemi Alves Moreira Silva,
48, moradora da região há quase
20 anos. "Como a vala vai ficando
mais estreita, acaba não dando
vazão ao córrego. Então, quando
chove, ele transborda e costuma
chegar a até um metro de altura."
Sobre os restos de cadáveres,
Noemi afirma, rindo, que também sofreu com o problema, mas
diz achar que eles não chegam
mais às casas do bairro.
Ela trabalha no posto de saúde
mantido pelo governo do Estado
na região, mas diz não ter conhecimento de estatísticas de casos de
doenças de veiculação hídrica.
"Mas sei que em 2001 foram 28 casos de dengue só no bairro." Isso
porque em trechos do "rio do cemitério" a água fica quase parada.
No lugar onde antes foram as favelas Boi Malhado e Morro da Esperança vivem hoje cerca de 1.600
pessoas, segundo a associação de
moradores, da qual Nascimento é
presidente, e Noemi, vice.
A agente de saúde conta que foi
uma das primeiras a ir morar no
local, quando 119 pessoas invadiram as encostas do cemitério. Ela
confirma que, durante cerca de 15
anos, os moradores da favela consumiram água de poço, mas diz
não se recordar de um gosto adocicado, que pode estar associado à
contaminação por necrochorume. Hoje a região é abastecida pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo).
(MD E MV)
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