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MARANHÃO
Descendentes de escravos que tiveram terras desapropriadas nos anos 80 passam a ocupar periferia de Alcântara
Assentados em agrovilas têm saudade de quilombos
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ALCÂNTARA
Empobrecimento e perda de
identidade cultural ameaçam a
sobrevivência de pelo menos 21
comunidades de descendentes de
escravos no município de Alcântara (MA).
Com a construção do CLA
(Centro de Lançamento de Alcântara, uma base de foguetes da Aeronáutica), nos anos 80, cerca de
2.000 descendentes de moradores
de antigos quilombos foram expropriados e transferidos para as
chamadas agrovilas.
Na época, cerca de 620 km2 foram desapropriados -quase metade da área do município. Os
descendentes de escravos, que viviam da pesca e da agricultura, foram levados para localidades distantes do mar e com solos impróprios para o cultivo.
Os 21 grupos -divididos em
400 famílias- foram alojados em
apenas sete agrovilas, o que alterou as relações sociais e levou à
perda de identidade territorial. De
uma área média de 30 hectares
para cada família, eles se mudaram para um local onde os lotes
não ultrapassam 15 hectares.
Antes do remanejamento, cada
comunidade era especializada na
produção de um determinado alimento, principalmente arroz,
mandioca, milho e feijão. As trocas eram a base da economia.
O descendentes reclamam que,
de livres usuários da natureza maranhense, se transformaram em
pequenos proprietários de terras
improdutivas. Além disso, pedem
há pelo menos 15 anos a documentação de suas casas, construídas pelo governo federal.
Os integrantes da comunidade
Cajueiro, retirados em 1985 de
uma área à beira-mar e assentados no mesmo ano em uma agrovila no interior de Alcântara, chegam a passar quatro dias longe de
casa para conseguir pescar na
praia mais próxima.
Impossibilitados de produzir
em quantidades a que estavam
habituados, os descendentes de
escravos estão aos poucos abandonando as áreas que ocuparam
durante dois séculos, desde a fuga
das fazendas dos grandes senhores de engenho, no século 19.
Os ex-quilombolas têm se instalado nas periferias de Alcântara e
dos municípios da região metropolitana de São Luís. Segundo
professores, sindicalistas e representantes de ONGs, cerca de 30%
dos 2.000 remanejados já abandonaram as agrovilas.
Quando houve o remanejamento, cada família recebeu uma casa
de alvenaria, sem esgoto e água
encanada. O problema de moradia se agravou quando os filhos
dos antigos chefes de família passaram a se casar.
"Há um sistema de crenças que
liga esses camponeses à terra, levando-os a identificá-la como dádiva divina para ser utilizada por
todos", disse Maristela de Paula
Andrade, professora de antropologia da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).
Outra atual preocupação dos
descendentes de quilombos de
Alcântara é a possível ampliação
da área do centro de lançamentos,
prevista em acordos para a utilização da base de foguetes em negociação com Estados Unidos,
Rússia e Ucrânia. O acordo com
os EUA está sendo analisado pelo
Congresso.
Uma nova desapropriação atingiria cerca de 400 famílias, que teriam de ocupar áreas já povoadas
de Alcântara.
Segundo Carlos Aparecido Fernandes, 37, doutorando em geografia na USP (Universidade de
São Paulo), existem hoje cinco
segmentos de famílias de quilombolas na cidade: as deslocadas para as agrovilas; as que serão retiradas em breve da chamada "área
de segurança"; as que estão fora
das áreas de deslocamento; as que
estão excluídas da área de remanejamento mas sofrem com a
chegada de outras comunidades
em suas terras; e as que preferiram ir para as cidades.
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