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DANUZA LEÃO
Sem passado
Ela estava casada havia
muito tempo. Vinte e cinco
anos, 30? Por aí.
Além de uma paixão, foi uma
teimosia, dessas que as mulheres
inventam às vezes. Foi -e é-
muito feliz, só que tem horas que
a vida complica.
Naquele dia, por exemplo.
Não foi a primeira vez nem a
décima, mas daquela vez, particularmente, a coisa ficou incômoda. Ela pegou a agenda, ligou para antigas amizades que não via
havia muito tempo, e também
para aquele ex; ligou assim, pra
nada.
Mulher é inocente, sempre liga
para nada.
Aí, aconteceram vários acasos:
o número de telefone era o mesmo, e ele, como estava meio desocupado, atendeu logo. E o maior
de todos os acasos: ele devia estar
se sentindo meio só, pois aquele
telefonema, naquele dia, naquela
hora, foi quase como um milagre.
A conversa rendeu; ele disse tudo que ela, sem saber, queria ouvir. Que se lembrava como se fosse
hoje do vestido que ela usava no
último encontro, que nunca a tinha esquecido. Ela, que não sabia
muito bem por que tinha ligado,
ficou meio desconcertada, bancou a meio distante -afinal, era
casada-, mas gostou; gostou, e
muito. Ele disse que no próximo
mês estaria na cidade onde ela
mora, quem sabe se veriam,
quem sabe um almoço? Ela deixou as coisas meio no ar -é,
quem sabe? Nessas horas, nunca
se imagina que o futuro chegue.
Foi ficando nervosa, sem saber
o que fazer, sem saber direito o
que estava sentindo e também
sem querer, por nada desse mundo, perder aquela chance.
Mas chance de quê?
De quê? De ter um homem desejando ardentemente estar com
ela, mais do que qualquer coisa
no mundo, um homem que, entre
um copo de vinho e outro, passasse a mão nas suas pernas, deixando claro que iriam para um motel
depois, sem nem perguntar se ela
queria ou podia. Há quantos séculos não ia a um motel, meu
Deus? Ah, como seria bom se sentir de novo com 35 anos.
E viajou; viajou como nos bons
tempos em que um encontro desses era a coisa mais importante
do mundo. Passou horas pensando na roupa que ia usar, decidiu
por uma saia abotoada na frente,
lembrando do quanto elas facilitam as coisas, e pegou, lá no fundo do armário, aquele sapato de
salto bem alto que havia anos não
usava. Ficou um tempo enorme
pensando se ia passar rímel ou
não. Se fosse só para almoçar,
sim, mas se o almoço tivesse algum desdobramento o rimel podia escorrer, o que seria patético.
Pensou em quase tudo; só se esqueceu de que 30 anos se haviam
passado e que ele talvez tivesse se
transformado num senhor; um
senhor certamente charmoso,
mas sem aquela urgência de arrastar uma mulher para o motel
depois do almoço.
Ela prefere não pensar que 30
anos se passaram para ela também, e sabe que tem que ficar
atenta. Se, por um certo constrangimento inicial, começar a falar
de netos, aí não vai dar. O tema é
lindo, mas não combina com
amor nem com sexo.
Imagina-se voltando para casa
meio de pilequinho, se equilibrando no salto alto, já sem ilusões -e só Deus sabe o quanto estava precisando de alguma, de
qualquer uma.
Pensa que é melhor cair na real;
naquela noite vai passar a mão
na cabeça do marido, carinhosamente, dizer que está sem sono e
que vai para o quarto mais tarde,
para poder sonhar.
E pensa mais: que se estiver
mesmo desatinada, precisando
desesperadamente de um homem
que a deseje desesperadamente,
mandam a sabedoria e a experiência que invente um desconhecido que não saiba nada da vida
dela.
Nem o nome.
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