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São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

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SAÚDE

Medidas visam facilitar acesso à morfina; medo de dependência é uma das razões para o baixo consumo da droga no país

Brasil tenta reduzir dor de seus pacientes

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

No início dos anos 90, o Brasil foi denunciado em foros internacionais por deixar pacientes sofrerem dores intensas e desnecessárias. Na semana passada, um relatório das Nações Unidas sobre o uso da morfina para o alívio da dor voltou a advertir os países em desenvolvimento por não cuidarem do sofrimento de seus doentes. O Brasil continuava entre eles.
"Menos de 20% dos pacientes terminais e daqueles que sofrem com o câncer ou traumatismos, no Brasil, recebem tratamento adequado para o alívio da dor", diz Elisaldo Carlini, titular de psicofarmacologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e um dos membros da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes das Nações Unidas.
Segundo o informe da ONU, das 400 toneladas anuais de morfina produzidas para fins analgésicos, 80% são consumidas por apenas dez países, quase todos europeus. Significa que a maioria dos pacientes graves, da grande maioria dos países em desenvolvimento, está vivendo ou morrendo com dores desnecessárias.
No Brasil, apesar de ainda incluído entre aqueles que pouco fazem pela dor de seus pacientes, o quadro começa a mudar. De 1996 a 2001, a média de morfina importada foi de 1.100 quilos anuais. A estimativa para 2002 passou para 5.500 quilos. O salto se deve a uma série de medidas do Ministério da Saúde no sentido de facilitar o acesso à morfina e a seus derivados. Desde o ano passado, toda instituição de saúde que solicitar pode ter em sua farmácia três diferentes tipos de droga opiácea. O médico da instituição pode prescrever a morfina em receituário comum. Até junho, o Ministério da Saúde pretende autorizar todos os médicos a receitar opiáceos em seus talonários comuns, valendo-se de "selos" fornecidos pelos conselhos de medicina. Hoje, receitar drogas entorpecentes exige talonário amarelo controlado e o registro do médico na Secretaria de Estado da Saúde. Dos cerca de 200 mil médicos do Brasil, estima-se que menos de 10% solicitaram registro para prescrever a droga. Por outro lado, cursos patrocinados pela Associação Médica Brasileira, pelo Ministério da Saúde e por laboratórios vêm tentando diminuir o preconceito dos médicos com relação à morfina.
As farmácias, por sua vez, evitam a venda da morfina por causa das exigências da Vigilância Sanitária, do pouco lucro e do medo de serem assaltadas por traficantes. Estima-se que menos de 5% das farmácias vendam a droga.

Campos de papoula
A morfina é um derivado extraído da papoula, a mesma planta da qual se extrai o ópio e a heroína. Enquanto a última é empregada e temida como droga ilegal com grande poder de dependência, a primeira é o mais potente analgésico que a medicina dispõe. No mesmo rol dos entorpecentes de uso médico, estão os opióides sintéticos e semi-sintéticos, todos feitos em laboratórios para o alívio da dor.
O cultivo da papoula para uso médico é feito em países da Europa e da Ásia, sob o controle e a fiscalização da Junta de Entorpecentes das Nações Unidas. No informe deste ano, além de alertar para a falta de morfina nos países pobres, a ONU advertiu para o aumento da produção nos países produtores. Sem uma distribuição igual, a morfina em excesso poderia alimentar o tráfico.
As quantidades de morfina são solicitadas por cada país. Até 2001, a cota pedida pelo Brasil oscilava em torno de 1.100 quilos. "Apesar das iniciativas em várias frentes, ainda não aconteceram grandes avanços", diz João Figueiró, do Grupo de Dor do HC, coordenador do Programa Nacional de Educação em Dor da AMB e assessor do grupo de dor do Ministério da Saúde.
Para Elisaldo Carlini, os 1.100 quilos de morfina, transformados em doses diárias, seriam suficientes para tratar por um ano de 30 mil a 40 mil pacientes.
"Em estimativas moderadas, o Brasil teria 500 mil pessoas que se beneficiariam dessas drogas", diz Figueiró. Segundo os especialistas, a razão para o baixo consumo está no temor de dependência da droga e na crença de que seu uso já seria o último recurso. "Não há nenhum motivo para se temer a dependência", diz Carlini. "A morte faz parte do ciclo final da vida e deve ser vivida com dignidade. O idoso, que já deu sua contribuição para a sociedade, merece morrer sem dores."


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