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VIOLÊNCIA
Sobreviventes de conflito no morro dos Macacos (zona norte do Rio) relatam casos de estupro e de assassinatos sumários
Com medo, morador foge de morro invadido
DA SUCURSAL DO RIO
Primeiro elas ouviram os tiros
-nada demais, rotina, acreditaram. Depois vieram os gritos e a
correria. As portas de suas casas
foram arrombadas, e grupos de
homens armados passaram a revirar tudo em busca de drogas e
dos "vagabundos".
Era a invasão do morro dos Macacos, em Vila Isabel (zona norte),
realizada por traficantes do morro São João, na semana passada.
"Na casa vizinha, eles estupraram uma moça. Na outra, mataram outra moça. Entraram na casa de um entregador de pizza e
mandaram que ele saísse ou a família inteira ia morrer. Ele saiu
para salvar os outros. Morreu",
conta a moradora A., 18.
A família de A. ainda não voltou
para o morro, com medo. Quando a casa deles foi invadida, os traficantes queriam saber se o irmão
dela, de 19 anos, era da facção rival. Apesar da resposta negativa,
estavam decidindo, na rua, se iam
ou não matar o rapaz.
"Enquanto eles resolviam, meu
irmão fugiu. Na outra noite, eles
voltaram e disseram para todo
mundo ouvir que, se a gente voltasse para lá, eles iam nos matar",
conta a jovem.
E., 16, não chegou a ver os invasores. De madrugada, quando ouviu os gritos, fugiu de casa. Passou
as quatro horas seguintes escondida dentro de uma vala que corta
o morro, ouvindo os gritos de
amigos e vizinhos.
A família dela ainda não voltou
para o morro. Está abrigada na
casa de parentes. "Hoje a polícia
está lá. Mas, quando a polícia sair,
os traficantes vão voltar e vão arrasar tudo", diz a estudante.
A família de L., 20, também teve
a casa invadida, mas, apesar do
medo, já voltou ao morro. Sem
parentes na capital, ela, os pais e
os irmãos chegaram a passar uma
noite na casa de amigos no interior fluminense. Preocupados
com a casa, voltaram.
Não conseguem vender o imóvel e não têm outro lugar para ir.
Aos poucos, a vida vai retomando
a rotina. L. volta para casa antes
das 18h, com medo do que pode
ver na rua. Mas acha que o pai está
certo em continuar no morro.
"Eu carreguei muito tijolo morro acima para ajudar meu pai a
construir a nossa casa. Não é justo
que a gente fique na rua. Mas o
medo está aqui, sempre", diz.
No fim de semana passado, por
causa do feriado, conta ela, o que
mais se viu foi gente descendo o
morro com malas, roupas, móveis, bagagens. Quem pode vai
embora. Quem não tem opção se
acostuma a conviver com o medo.
Justiça paralela
O tráfico criou uma justiça paralela para "punir" quem desrespeita as suas regras. As punições para
quem pratica algum roubo dentro
da favela, por exemplo, vão de tiro
na mão a homicídio.
Em abril deste ano, o vendedor
de drogas Michael Fábio Rodrigues Ferreira foi torturado e esquartejado por ter perturbado
uma festa realizada por traficantes do morro do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana (zona sul).
A punição para um X-9 (informante da polícia) é a tortura seguida de morte. A suspeita de
que alguém sirva de informante policial já é "investigada" com
espancamento e tortura.
Em setembro do ano passado, o
açougueiro Alexsandro Oliveira
da Silva, 28, foi agredido e torturado por traficantes da favela Vila
Vintém, em Realengo (zona oeste), depois de ter sido confundido
com um informante.
O açougueiro disse que, como
estava sem dinheiro para o ônibus
na volta do trabalho, resolveu
passar por dentro da favela para
cortar caminho até sua casa.
Silva prestou queixa na delegacia -o que é raro nessas ocasiões.
"Quando os traficantes dão alguma punição para o pessoal, eles
não vão à delegacia. No Brasil
existe pena de morte, e ela é exercida por marginais", afirmou o
delegado Sérgio Falante, da 22ª
Delegacia Policial.
O delegado fala de outra lei imposta pelo tráfico -a lei do silêncio. "A gente quase não consegue
saber de nada pelos moradores",
afirma Falante.
(FERNANDA DA ESCÓSSIA)
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