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Projeto recupera tradições indígenas
DO ENVIADO ESPECIAL
A Associação Saúde Sem Limites fica numa casa simples na
mesma rua onde se encontra a
grande maloca da Foirn, em São
Gabriel da Cachoeira. O coordenador local do projeto de "medicina tradicional" é o tucano Maximiliano Corrêa Menezes, 42.
Sua função, e a do projeto, é capacitar recursos humanos que
chegam de fora e que vão trabalhar com os índios mata adentro.
Outra função é apoiar e valorizar
a cultura dos povos indígenas.
Nessa empreitada, a associação
está trabalhando como Cerci,
Centro de Estudo e Revitalização
da Cultura Indígena de Iaureté.
A missão é imensa. Recuperar
valores, línguas, mitologias, música, crenças, costumes. "Tudo que
desapareceu nos cem anos da presença missionária e que estava
adormecido", diz Menezes.
São eles que estão ordenando o
vasto material -colhido nos quatro "encontros de pajés" ocorridos nos últimos anos- para que
seja transformado em referência
didática para as escolas indígenas.
"Por enquanto, são apenas imensos relatórios", diz.
Na sala ao lado, fone no ouvido,
gravador ligado, está o tucano Alfredo Fontes, 53, alfabetizado em
português, tucano e baniwa.
Raro conhecedor das línguas e
dos costumes da região, ele passa
os dias traduzindo longas conversas gravadas com "curadores" de
aldeias ao longo do rio Içana, copiando no computador. "Não sou
benzedor, eu só transcrevo", diz
Alfredo Fontes.
Rituais
A fala que está ouvindo atualmente e traduzindo para o tucano
é um longo ritual de "fechamento
de corpo". Em muitas etapas, o
kumu vai mentalizando cada grupo de animais peçonhentos, como as formigas de fogo, os escorpiões, os marimbondos, as cobras
venenosas.
Depois de "macerar" cada grupo, ele vai "retirando o veneno",
num ritual demorado que é "capaz" de devolver a energia e a força ao paciente que está sendo
"benzido". Até que, ao final, ele
será preso num cercado invisível,
onde as forças do mal não poderão entrar.
Os sumos e leites da natureza
vão lhe garantir a energia física e
mental e um grande poder de
concentração para enfrentar seus
inimigos. Nas suas mais de 50 longas anotações, estão rituais para
proteger as meninas que entram
na primeira menstruação -"e
que ficam mais fracas para as
doenças"- e até benzimentos
para os bebês recém-nascidos.
"Há também benzimentos para
mulher achar marido e marido
achar mulher", ele conta.
Tradição revivida
Assim que essas histórias "virarem" livros, e eles chegarem até as
aldeias de onde foram coletadas,
os meninos índios saberão o que
seus avós contavam a seus pais.
É um elo que estava quase perdido e que começa a ser recuperado com o projeto.
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