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GILBERTO DIMENSTEIN
Lições da noite paulistana
É impossível conhecer São
Paulo sem fazer uma ronda
noturna, pouco antes do início da
madrugada, por algumas das
ruas que recebem um tipo especial de pedestre, que, em geral,
carrega um livro.
A maioria desses pedestres vem
da classe média baixa e estudou
em escolas públicas. São jovens
que trabalham de dia como contínuos, secretárias ou empregadas
domésticas. Alheios à boêmia
-afinal, precisam acordar cedo-, estão saindo, cansados, da
faculdade privada, à espera de
um ônibus que vai levá-los para
bairros pobres ou até para o extremo da periferia.
Essas cenas noturnas, tão distantes dos boêmios de "Ronda",
canção de Paulo Vanzolini, ou da
discreta elegância das meninas de
"Sampa", de Caetano Veloso
(canção inspirada, como se sabe,
em "Ronda"), explicam em parte
o favoritismo de José Serra, reafirmado hoje em pesquisa do instituto Datafolha.
A chance de uma virada de
Marta Suplicy está atrelada, em
boa medida, à sua conexão com o
que simbolizam esses jovens cansados, livro debaixo do braço, à
espera do ônibus.
Jovens da periferia, sonolentos
nos pontos de ônibus próximos da
faculdade, são a melhor síntese
paulistana. É a chamada classe C,
que se encara como classe média,
ansiosa por mais escolaridade.
Basta analisar uns poucos números. Para entender por que explodiu o número de matrículas
nas faculdades, deve-se levar em
conta uma estatística: em 1991,
cerca de 28% dos jovens entre 15 e
17 anos de idade estavam no ensino médio; hoje são 60%. O crescimento ocorreu quase exclusivamente nas escolas públicas.
Existem indicadores ainda mais
relevantes quando se analisa a
mão-de-obra da cidade. Cerca de
50% dos trabalhadores, mais precisamente 47%, têm diploma de
ensino médio ou superior. Não estão computados aí os que cursam
o ensino médio, mas apenas os
que já possuem esse nível completo de escolaridade.
Para uma população de 10,4
milhões de pessoas, há registrados
5,3 milhões de automóveis, 8,2
milhões de celulares e 5,3 milhões
de linhas telefônicas fixas.
O mapa que saiu da eleição
mostrou que, ao exibir de forma
tão intensa sua identificação com
os mais pobres (e temos de reconhecer que a gestão de Marta tem
o que mostrar em políticas de inclusão social), o PT se distanciou
do imaginário da classe média
-esse o segmento mais numeroso da cidade.
Existem muitas explicações para a diferença de votos detectada
hoje pela pesquisa: por exemplo,
as famosas taxas, a imagem de
antipatia da prefeita, as obras
que se avolumaram no ano eleitoral, o prestígio do governador
Geraldo Alckmin, a desconfiança
dos abastados em relação ao PT e
a inquietude da população mais
pobre com a saúde, combinada
com o fato de o candidato do
PSDB ter sido ministro justamente nessa área, o que lhe rendeu
prestígio.
As rondas noturnas ensinam
que não se deve menosprezar um
aspecto no jogo de imagens usado
pelos marqueteiros.
Com seus programas de renda
mínima, CEUs, Passa Rápido, bilhete único, ruas de lazer na periferia, Marta reúne uma galeria de
ações que, embora possam ter eficiência discutível e fontes de financiamento polêmicas, reduzem a exclusão social. Mas, na
batalha de imagens, deparam-se
a moça vinda de uma família rica, criada nos Jardins, e o filho de
imigrantes da zona leste.
Embora em intensidade diferente, Serra, em 2004, reproduz o
roteiro de Lula em 2002. Com sua
biografia, Lula agarrou o imaginário dos pobres, exibindo sua
história -a do operário, filho de
migrantes. Serra se beneficia eleitoralmente de sua trajetória de filho de feirantes, que saiu da escola pública, fez faculdade e se tornou ministro.
A batalha para o PT é, como
mostra a pesquisa hoje, difícil,
mas não está perdida. Será impossível, porém, se a prefeita não
souber, nessas menos de três semanas que lhe restam, mostrar
como ajudar a periferia é bom para o centro e se não souber fazer a
ponte entre quem, no extremo da
periferia, se beneficia de um programa de renda mínima e os jovens estudantes de faculdade,
que, em busca de um sonho, povoam as noites paulistanas. Estes
são a melhor síntese dos anseios
da cidade -por enquanto, como
mostra o Datafolha, mais bem
encarnados por Serra.
PS - Por falar em conexões, fico
tentando imaginar todos os argumentos possíveis para saber como
o PT vai justificar, em São Paulo,
a aliança com Paulo Maluf, que,
diga-se, foi adulado pelo PSDB.
Até pouco tempo atrás, Maluf dizia que todos aqueles documentos
e denúncias sobre suas contas
bancárias no exterior tinham conexões com petistas. Ao mesmo
tempo, a prefeitura designou advogados para retomar dinheiro
que, supostamente, teria sido desviado para contas bancárias na
Suíça pelo ex-prefeito.
Ou se passou a achar que todos
aqueles papéis eram uma fraude
(e aí Maluf merece um pedido de
desculpas do PT) ou então os papéis são verdadeiros e o eleitor petista é que merece o pedido de
desculpas.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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