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COMPORTAMENTO
Apesar de a estrutura familiar ter mudado, mulheres continuam a se sentir principais responsáveis pelos filhos
Sentimento de culpa atormenta mães
GABRIELA ATHIAS
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nesses tempos de casamentos
instáveis e de desemprego em alta
em que, para completar, as mulheres viraram chefes de família, a
célebre frase de gosto duvidoso
sobre a maternidade -"ser mãe é
padecer no paraíso"- ficou mais
atual do que nunca.
Isso porque a estrutura familiar
mudou, mas as mães continuam
se sentindo as principais responsáveis pelos filhos, e se sentem angustiadas se, por algum motivo,
pensam que estão fazendo por
eles menos do que deveriam. Se o
filho não tem o que sonhava, a
responsável será ela. Se algo acontecer a ele, ela será a "culpada".
Terapeutas e mães, quando falam sobre esse tema, fazem crer
que maternidade e culpa, pelo
menos em algum período da vida,
são indissociáveis. Só que algumas mulheres conseguem se livrar desse sentimento.
"Culturalmente, atribui-se à
mãe a função de ser provedora da
felicidade dos filhos", diz Maria
Helena Pereira Franco, psicoterapeuta da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. "Quando
essa felicidade, por alguma razão,
é quebrada ou não acontece, a
mãe se sente culpada."
O resultado disso, diz Maria Helena, é que as mães acabam sentindo culpa por tudo o que acontece com os filhos, mesmo que o
fato nada tenha a ver com elas.
As diversas funções das mulheres que, além de mães, são provedoras cria situações ainda mais
angustiantes, como falta de tempo e de disposição para ficar com
os filhos, decorrente do estresse e
da sobrecarga de trabalho.
"As mulheres estão sozinhas no
trabalho e dentro de casa", diz a
socióloga Elisabete Doria Bilac,
pesquisadora do Nepu (Núcleo de
Estudos da População da Unicamp), associado à Rede Feminista de Sexualidade e Saúde.
Para a terapeuta familiar Rosely
Sayão, vincular o sentimento de
culpa que envolve a maternidade
apenas ao fato de a mulher trabalhar fora é camuflar uma situação
mais complexa. Segundo ela, a
culpa também é decorrente do fato de a mãe ser, além de uma referência de afeto, também uma
educadora. "Educar também é dizer não", diz ela. E, ao exercer esse
papel, muitas vezes as mães contrariam os filhos. Nesses casos,
também sentem culpa.
A advogada Cecília Pozelli, 40,
criou a filha, Pâmella, 13, sozinha.
Quando a menina fez seis anos
começou a solicitar a mãe em
tempo integral. Se Cecília saía para se divertir, Pâmella chorava.
"Para mim era terrível sair e deixá-la chorando, mas isso passa."
A terapeuta Lia Lage diz que a
quebra do modelo tradicional de
família, composto por pai, mãe,
irmãos e avós, exige que as mulheres reinventem a prática da
maternidade. "As relações entre
mães e filhos são de igual para
igual. As crianças participam
muito mais do próprio processo
educativo", diz ela.
Os sentimentos de sobrecarga e
de culpa em relação aos filhos são
compartilhados por mulheres pobres e ricas, com o agravante de
que a falta de creches públicas dificulta mais a vida das primeiras.
A empregada doméstica Celina
Ferreira, 35, mãe de Jucinara, 6,
sai de manhã, deixa a filha na escolinha, e só retorna no início da
noite. Só conta com uma amiga
que pega a menina nas duas escolas até que ela a recolha à noite.
"Ela pede para ler uma historinha, eu leio correndo, ela pede
mais uma, eu tenho de passar
roupa. Ela chora para ir no parque, eu só posso sair uma vez por
mês. Vejo-a revoltada, fico confusa, cheia de culpa", diz Celina.
A história de Ordi Alves de
Araújo, 44, seria parecida se não
houvesse uma tragédia: sua filha
Viviane, 12, se queimou gravemente mexendo no fogão enquanto ela trabalhava fora. Proibida de usar o fogão quando estava sozinha, Viviane desobedeceu
a regra tentando preparar um
hambúrguer. Teve queimaduras
graves nas coxas, pernas e pés, ficou um mês no hospital, perdeu o
ano na escola e terá de passar por
cirurgias reparadoras e tratamento psicológico.
"Com o aumento da média de
vida, a mulher de 45, 50 anos ainda está cuidando dos filhos, já está
assumindo os netos e têm os pais
para tomar conta", diz a socióloga
Elisabete Doria Bilac.
Para ela, nesse cenário é difícil
não sentir culpa. "Se a mãe está
em casa, pode pensar que deveria
estar trabalhando para sustentar
os filhos. Se trabalha, se angustia
com a distância das crianças."
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