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"Os meninos têm medo de que eu não volte"
" Vejo os meninos bem cedinho, quando ainda está escuro, e depois das nove da noite, quando volto. Fico falando com
eles pelo telefone da casa das minhas patroas: Marcelo, já comeu?
Não deixa o Luquinha abrir a
porta, não aceita doce na rua,
não conversa com pessoas de fora.
Às vezes, o Marcelo liga pedindo
ajuda na tarefa da escola, a gente
faz a lição pelo telefone.
Falando com eles eu me sinto
melhor, porque, quando penso
que eles estão longe, me dá vontade de chorar. Eles lá, no Itaim
Paulista, eu aqui, no outro lado
da cidade [ela trabalha na Vila
Olímpia e em Perdizes". É a avó
deles quem me ajuda, sem ela não
sei o que ia fazer.
De manhã, o menorzinho sempre me agarra pedindo que eu fique, eu beijo os dois, digo que um
dia vou ficar o tempo inteiro com
eles. Aí saio porque não gosto de
chorar perto deles. O mais velho
sempre diz: "Mãe, quando crescer
vou dar tudo para a senhora não
trabalhar mais".
Fico pensando que estou fazendo isso para o sustento deles, mas
isso não consola, sempre dá uma
tristeza, uma culpa muito grande.
Quando volto de noite, rezo para que o ônibus ande mais depressa. Os meninos têm medo de
que eu não volte, como aconteceu
com o pai. Quando chego, os dois
estão me esperando, ficam conversando, vendo TV, eu fazendo a
comida, eles em volta.
Eles sofreram muito quando o
pai foi embora, no ano passado. A
gente nunca brigava, nós dois
saíamos juntos para o trabalho,
na rua as pessoas chamavam a
gente de casal 20. Eu achava que
a gente era muito feliz, mas ele começou a ficar diferente, um dia
reuniu os meninos e eu, chorou
muito, e disse que ia embora. No
dia seguinte, ele me pediu para
ajudar a levar as malas, tomamos
o lotação até o Anhangabaú, ele
foi para um lado, eu fui para o
trabalho. Achei que iria morrer."
Maria de Jesus Nunes, 46, empregada
doméstica, separada e mãe de dois filhos: Marcelo, 11, e Lucas, 5.
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