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GILBERTO DIMENSTEIN
O que temos a aprender com os gays
Saberemos no fim da tarde
deste domingo se o Brasil bateu um recorde mundial: a organização da parada gay aposta
que terá reunido, na av. Paulista,
mais de 1 milhão de pessoas. É
gente suficiente para deixar para
trás San Francisco, o centro mundial da homossexualidade.
A seguir o ritmo verificado nos
últimos anos, é bem possível que o
maior país católico do planeta arrebate o título. Em 2003, cerca de
800 mil pessoas foram à parada,
segundo a Polícia Militar e a CET
(Companhia de Engenharia de
Tráfego), o equivalente ao dobro
do número de participantes da
parada do ano anterior. Na primeira versão, há só oito anos, o
número de manifestantes não
passava de algumas dezenas.
Um eventual recorde é apenas
um detalhe. Essencial é o seguinte: é impossível entender São Paulo sem levar em conta que os gays,
vivendo ainda à margem, realizam a maior manifestação pública da cidade. Isso sem promover,
como fazem sindicatos de trabalhadores no 1º de Maio, sorteios
de brindes. E a explicação disso
está não só no fato de eles misturarem alegria com ideologia mas
também no fato de se conectarem
com a alma da cidade.
A maior força de São Paulo são
as oportunidades de aprendizado
-o que significa, antes de tudo o
mais, oportunidades de convívio
na diversidade e troca de experiências. Quando se fala em
aprender, logo vem à mente uma
visão antiga: a de saber coisas que
estão registradas em livros e que
são ministradas nas escolas ou
nas empresas. Errado. O aprendizado é a experimentação das
mais variadas possibilidades, entre as quais as intelectuais.
Os gays encontraram em São
Paulo a chance de serem aceitos
como são e de desenvolverem sua
identidade e suas potencialidades. É essa a base do processo de
aprendizado, que serve para
qualquer um. Educar é ensinar o
encanto das possibilidades, e
aprender é sentir a emoção em
cada descoberta.
São Paulo é uma cidade tão
cheia de problemas que temos dificuldade de ver sua dimensão
mais fértil e acolhedora. Na semana passada, não faltaram números para enfatizar as dificuldades
por que passa. Um exemplo é o
número de assassinatos de jovens,
que não pára de crescer. Outro
são as estatísticas sobre o trânsito,
que fica cada vez mais lento (na
véspera do feriado, registrou-se o
segundo maior índice de lentidão
do ano). Isso para não falar nos
números do desemprego, que ainda não deixaram de subir.
Os consecutivos recordes de violência, congestionamento e desemprego são a trinca que compõe a sensação permanente de
caos urbano.
Um sinal dessa efervescência está numa pesquisa do Datafolha
que analisa o perfil dos habitantes de São Paulo de 16 a 24 anos. O
instituto dividiu a cidade em 19
áreas, aglomerando todos os distritos. Em nenhuma área há menos do que 42% das pessoas naquela faixa etária sem ensino médio ou superior. Isso nas regiões
mais pobres, dessas que são notícia só quando ocorre crime ou enchente. Os números do Datafolha
revelam que, apesar de todas as
dificuldades econômicas, aposta-se para valer no conhecimento.
Muita gente só está vindo para cá
por causa dessas possibilidades de
vivência cultural e educativa. Pequeno exemplo: neste fim de semana, um cinema começa a oferecer sessões de madrugada.
Mais: o renomado cineasta Fernando Meirelles, de "Cidade de
Deus", promete levar para lá filmes que dificilmente chegariam
ao país, fazendo das telas uma espécie de lousa.
Aprender mexe em um instinto
tão forte nas pessoas como o instinto sexual. Jovens talentosos e
esforçados chegam aqui atraídos
por MBAs que ensinam como administrar um shopping center ou
comercializar produtos de alto luxo, por programas em faculdades
que mostram como gerir entidades não-governamentais para administradores de empresas, por
cursos que mostram como combinar lucro com ecologia. Há cursos
de nível superior para quem pretende construir videogames, ser
designer de luz (cuidar especificamente da iluminação dos ambientes), atuar como consultor de
imagem pessoal (ajudar as pessoas a se vestirem), fazer turismo
ecológico ou manejar os recursos
digitais da fotografia e da música.
Disseminam-se os mais diversos
cursos de design e moda. É natural, portanto, que a cidade tenha
se tornado, como mostra nesta semana a São Paulo Fashion Week,
um pólo mundial de moda.
Os gays ajudam a entender a cidade: só conseguimos ver a riqueza paulistana, de fato, se olhamos
além do mundo oficial. Algo que
nós, da imprensa, tão atentos aos
governantes, temos dificuldade
de fazer.
Poder público significa, no geral, o aumento de impostos que
inibe o espírito empreendedor, a
lerdeza burocrática verificada
por quem necessita de um serviço
público, a sobreposição de atividades sem foco, a corrupção estampada diariamente nos jornais. Significa também os governantes usarem e abusarem da publicidade com dinheiro público
-ou o abuso de ações de marketing para iludir os cidadãos com
obras de muita visibilidade e pouca consistência. Significa pagar
muito e receber pouco.
A criatividade comunitária caminha a anos-luz da pasmaceira
pública.
PS - De acordo com a pesquisa
realizada pelo Datafolha, a melhor ilha de educação da cidade
de São Paulo está na região formada pelos distritos da Vila Mariana, do Itaim Bibi, de Campo
Belo, da Consolação, da Saúde e
do Jardim Paulista. Nessa região,
41% dos habitantes com idade
acima de 16 anos têm diploma de
ensino superior e 34% possuem
diploma de ensino médio. Em segundo lugar, está a região composta pelo Alto de Pinheiros, pela
Lapa, por Pinheiros e por Perdizes: 35% fizeram faculdade, e
43%, ensino médio.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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