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VIOLÊNCIA
Paulo (nome fictício) aposta que destino de filho menor será diferente do da irmã, envolvida com o tráfico de drogas
Pai "perde" filha, mas ainda tem esperança
DA REPORTAGEM LOCAL
Ser pai em Cidade Tiradentes,
no extremo leste de São Paulo,
custa uma dose extra de preocupação. E de esperança. Paulo (nome fictício) reconhece que "perdeu a filha para as drogas", mas
acredita que será diferente com o
filho menor.
Envolvida com o tráfico de drogas, a filha foi presa três anos
atrás. Foi considerada apenas
usuária pela Justiça e depois libertada. Depois disso, abandonou os
estudos, teve trabalhos esporádicos e hoje está desempregada.
"Na idade dela, poderia estar se
formando. Mas está por aí. Sei
que ela não abandonou a droga",
afirmou o pai, que pediu que seu
nome, dos seus filhos, a idade deles e sua função não fossem divulgados por medo de ser discriminado na região.
Paulo acredita que o destino de
sua filha poderia ter sido diferente
se eles vivessem em outro lugar.
Apesar de reconhecer que a separação da sua mulher mexeu com a
cabeça de sua filha, ele acredita
que a falta de perspectiva e de alternativas do lugar também influenciou nas escolhas erradas.
"Até o visual feio, abandonado,
influencia. Aqui não tem oportunidades como existem em outros
locais", afirmou. O local de lazer
mais próximo fica a 15 km, segundo ele. "Aqui só tem campinho
para jogar pelada", desabafou.
Apesar da frustração com a filha
mais velha, o pai acredita que o filho menor tenha um futuro diferente. A estratégia é dar conselhos
e fazer um acompanhamento
mais de perto. "Ele tem demonstrado interesse em vários cursos.
Tem uma cabeça boa", afirmou.
Revolta
Mas nem todos respondem com
revolta e agressividade aos problemas familiares e do lugar.
Abandonado aos cinco anos com
os três irmãos, Washington Augusto Luiz, 16, nem lembra do
rosto da mãe. Viveu sete anos em
um internato até ser encontrado
pelo pai, um gráfico que ganha R$
280 por mês.
Na última quinta-feira, ele era
um dos mais de cem formados do
curso de cooperativismo da ACT
(Ação Comunitária Tiradentes).
"Eu vim para cá para fugir da rua,
da malandragem", disse o aluno.
Ex-servente de pedreiro, hoje
desempregado, Luiz disse que recusou vários convites para usar
drogas ou participar de assaltos.
"Se não tiver a cabeça forte, pode
tropeçar", afirmou.
Morar na Cidade Tiradentes
também pode significar um obstáculo a mais na busca pelo emprego em outras regiões de São
Paulo. "Os jovens daqui enfrentam muito preconceito lá fora.
Um problema a mais para quem
já nada contra a maré", afirmou
Adaílson Ferreira da Silva, 30, psicólogo da ACT (Ação Comunitária Tiradentes).
Segundo o presidente da associação de moradores de Cidade
Tiradentes, João Santos, 46, muitos habitantes do local chegam a
informar endereços de parentes
em outras regiões da cidade nas
entrevistas de emprego. A associação realiza cursos profissionalizantes e programas de assistência à família, com verbas dos governos federal e estadual.
"A incidência de crimes é baixa
para um lugar tão povoado que
não tem uma biblioteca pública,
uma agência bancária ou um centro de lazer", disse o delegado do
54 DP (Cidade Tiradentes), José
Francisco Rodrigues Filho.
Ele assumiu o cargo há quatro
meses, depois que marginais deram rajadas de metralhadores e
jogaram uma bomba na delegacia, na tentativa de libertar o integrante de uma quadrilha de ladrões de carro sediada no lugar.
Apesar de jovens nomearem facilmente os grupos rivais de traficantes, indicarem os pontos-de-venda e relatarem antigos e novos
enfrentamentos entre eles, o delegado afirma que a região possui
apenas "microtraficantes".
"O maior envolvimento dos jovens ocorre nos roubos de carro",
disse Rodrigues. Com 17 anos de
experiência, ele afirma que o perfil do preso -jovem e de baixa
renda- não é privilégio de Cidade Tiradentes. "Não é diferente na
periferia ou bairros considerados
mais nobres", disse.
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