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GILBERTO DIMENSTEIN
Por que a goleada de Lula é um engano
Enquanto São Paulo vai
perdendo espaço na produção de riqueza, Brasília assegura,
folgadamente, a condição de
campeão nacional de renda per
capita -R$ 15.725, um terço a
mais do que a renda dos paulistas
e dos fluminenses.
Divulgado na quinta-feira pelo
IBGE, esse contraste entre uma
região que produz e empobrece,
sitiada pelo desemprego e pela
violência, com Brasília, que não
produz riquezas materiais e enriquece, ajuda a entender por que é
tão difícil -e continuará sendo
difícil por muito tempo- reduzir
significativamente a miséria brasileira. Isso é muito maior do que
a vontade sincera do presidente
Lula, que, na sexta-feira, anunciou: "É hora de golear".
Em termos sociais, estamos perdendo. Talvez, quem sabe, no
próximo ano, façamos um gol para empatar. A goleada é, por enquanto, só a versão futebolística
do "espetáculo do crescimento".
A impossibilidade da goleada
está justamente no inquietante
contraste entre Brasília e São
Paulo.
Entre as explicações apresentadas pelos técnicos do IBGE para
justificar a notável desenvoltura
da renda brasiliense, onde a única indústria que impera é a indústria de produção de cortesãos,
atribui-se especial peso às aposentadorias oficiais -o Distrito Federal, como todos sabem, concentra funcionários públicos, a maioria dos quais, graças a brechas legais, ganha mais dinheiro sem fazer nada do que quando estava
na ativa.
São Paulo, como o resto do Brasil, perde força, entre outros motivos, porque o mundo oficial oferece a seus aposentados e funcionários um rendimento acima do padrão nacional. Parece uma relação distante, abstrata, mas não é.
É fácil entendê-la.
Para custear a máquina pública, os brasileiros drenam para
seus governantes cerca de 40% de
tudo o que produzem -parte dos
buracos das contas públicas são
provocados pelas aposentadorias
públicas em todo o país. Se uma
nação estrangeira nos dominasse,
cobrando tantos impostos e dando tão pouco em troca, já teríamos declarado a independência.
Entre as principais causas do
baixo crescimento da economia
brasileira, que se refletem diretamente em São Paulo, seu centro
nervoso, estão os altos impostos
altos e os juros estratosféricos. É
uma combinação devastadora
para quem deseja trabalhar honestamente.
Juros são altos, entre outras razões, porque o poder público gasta muito -e gasta mal.
É difícil, nessa circunstância, tirar ainda mais dinheiro da sociedade para financiar programas
de combate à miséria -a começar do fato de que, com baixo
crescimento, a geração de empregos também é baixa.
As análises sociais mais relevantes que tenho visto vêm de um
grupo de economistas corajosos
que resolveu colocar os números
no papel e mostrar como gastamos mal os recursos que poderiam estar servindo para diminuir a pobreza.
Em artigo publicado nesta semana na Folha (que, aliás, deveria estar emoldurado nas paredes
das casas dos homens públicos),
José Márcio Camargo demonstra,
com números, como o Estado reforça a desigualdade brasileira. A
conta é de uma simplicidade extraordinária: os gastos sociais do
governo federal chegam a 15,5%.
Desse total, 65% vão para aposentadorias. Do que se despende
com educação, 75% são drenados
pelas universidades, mais frequentadas pelos mais ricos.
Vejo acadêmicos que se dizem
de esquerda condenando os que,
a partir desses dados, defendem
que se focalizem mais os recursos
nos mais pobres. Embora se apresentem como defensores dos vulneráveis, atacando os monstros
neoliberais, muitos desses acadêmicos, gostem ou não, fazem parte do grupo de brasileiros que recebe aposentadorias especiais
-logo fazem parte da elite que se
apropria dos recursos sociais.
O que se vê, pelos números, é
que se gasta muito mais com os
aposentados do que com as crianças. Um relatório do Unicef, divulgado na quinta-feira, revela
que a maioria das crianças e dos
adolescentes vive em famílias pobres. Precisariam, para começar,
de creches.
De onde vão tirar o dinheiro para melhorar a educação? Sugando mais de empresários e da classe média? Comprometendo a estabilidade financeira e fabricando inflação?
Meu receio é que a bomba social tenha de explodir a partir das
rebeliões de desempregados - especialmente dos jovens- para
que o Brasil saiba respeitar, de fato, quem produz, e não quem vive
à custa do poder.
PS - Por falar em contas simples,
na semana passada, uma pesquisa mostrou que 70% dos brasileiros acham que o desemprego está
igual ou pior do que no ano passado. O prestígio de Lula, que se
elegeu prometendo diminuir o
desemprego, continua bem.
Quanto tempo mais tem o presidente de prestígio em alta e emprego em baixa?
E-mail - gdimen@uol.com.br
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