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GILBERTO DIMENSTEIN
A culpa é do Lula
O economista José Graziano transformou-se na principal vítima do desgaste provocado pela campanha da fome: apanha, de um lado, dos críticos do
programa e, de outro, dentro do
próprio governo, mais precisamente do Palácio do Planalto, onde se lamenta a falta de habilidades executivas do ministro. O próprio presidente Luiz Inácio Lula
da Silva não esconde, entristecido, as críticas ao amigo e estimula, entre seus assessores mais próximos, a especulação sobre eventuais substitutos.
Em meio aos rumores ocorridos
na semana passada sobre a primeira fritura ministerial, Graziano era a explicação mais fácil
-até por ser mais visível- para
os problemas do Fome Zero, cuja
consistência se assemelha à da
desnutrição brasileira. A explicação é tão fácil quando injusta.
Graziano é apenas uma peça de
um programa que, desde o seu
início, apresentou falhas estruturais, além de um óbvio e monumental apetite de marketing. O
que está ocorrendo é uma formidável aula sobre as dificuldades
de um investimento social.
Lula preocupa-se sinceramente
com a falta de comida na mesa
dos brasileiros, a partir de sua experiência pessoal -e imagina,
também sinceramente, que a
combinação de sensibilidade com
vontade política possa debelar
com velocidade a fome num país
com tantas terras férteis.
Mas ele também se deixou sensibilizar pela busca de resultado
de curto prazo. Não podia contar
com o aumento de emprego e de
salários. Fez, então, da fome uma
grife: aí começam os erros.
O presidente guindou a fome à
condição de sua mais importante
bandeira. Produziu-se barulho e,
claro, expectativa de resultados
rápidos. Como o sucesso do plano
dependia, na visão dele, de sensibilidade e vontade, não haveria
maiores problemas -uma armadilha do excesso de presunção
combinado com a inexperiência
administrativa. O Fome Zero seguiu um tom típico de um palanque eleitoral.
Os técnicos do PT -inclusive
Antonio Palocci Filho- envolvidos no processo de transição sugeriram que as ações de renda mínima se concentrassem em apenas
um ministério para evitar a pulverização de programas. Esse ministério deveria aprimorar o cadastro para saber quem recebe o
que em todo o país. O objetivo
maior é que todo brasileiro que
recebe qualquer complementação
de renda do governo, em qualquer nível, tenha um só número
de identificação.
Lula preferiu, porém, indicar
um ministro para cuidar apenas
da fome, pulverizando ainda
mais os programas de distribuição de renda. Resultado: Graziano assumiu um ministério
-obrigado a apresentar os resultados mais visíveis e rapidamente- sem nenhuma estrutura. Some-se a isso que, antes do ministério, nunca tinha enfrentado,
nem na área pública nem na área
privada, um desafio nem remotamente parecido.
Na lógica do marketing, já que o
ministério da fome só pode combater a fome, criou-se um desgastante debate sobre como o beneficiário comprovaria ter comprado
mesmo comida. Tal limitação gerou atritos com Zilda Arns, uma
referência mundial no combate à
desnutrição, e críticas do senador
Eduardo Suplicy, um dos disseminadores, no Brasil, das políticas
de renda mínima, avalizadas, reservadamente, pelo ministro da
Educação, Cristovam Buarque,
criador da bolsa-escola.
Cristovam Buarque dizia, nos
bastidores, o que disse publicamente na semana passada: se é
para combater rapidamente a
desnutrição, basta ampliar a bolsa-escola.
Segundo ele, 70% dos recursos
da bolsa vão para a compra de
alimentos, com a vantagem de
que a criança se mantém na escola. E, além disso, o programa já
está estruturado. Raciocínio do
ministro: o Brasil não tem falta de
alimento, mas de renda.
Melhorar ações existentes -e
não reinventar a roda- seria a
melhor solução técnica, mas dificultaria, pela ausência de um
programa novo, a criação da grife
social desejada para a administração Lula.
A inabilidade administrativa de
Graziano é, em essência, um detalhe menor num programa marcado pela inexperiência de Lula e
pela tentação à pirotecnia dos governos recém-eleitos.
PS - Prepare-se para mais um
risco de erro. O governo quer lançar um programa para o primeiro
emprego, mas nem ao menos se
sabe e pouco se discute como fazer
cumprir a lei que obriga as empresas a contratar jovens e a ensinar-lhes uma profissão.
E-mail - gdimen@uol.com.br
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