|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SAÚDE
Psiquiatria quer integrar tratamento
AURELIANO BIANCARELLI
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
O paciente de 50 anos se queixa
de dores no peito e tem a pressão
arterial elevada. O médico quer
saber o histórico familiar, como
são as dores. Receita um anti-hipertensivo, recomenda diminuir
o álcool e o sal e pede exames.
O médico fez o que devia, mas
esqueceu uma pergunta fundamental: como vai a família? Se tivesse perguntado, saberia que o
paciente vinha passando mal desde que soube que o filho adolescente tinha abandonado a escola e
estava usando cocaína.
As dores e a alteração de pressão
eram, em parte, reflexo do desespero do pai. Uma conversa e um
encaminhamento seriam tão ou
mais importantes que os exames e
os anti-hipertensivos.
O caso desse paciente é apenas
um dos muitos relatados no 7º
Congresso Brasileiro de Psiquiatria Clínica e no 2º Congresso
Paulista de Psiquiatria Clínica,
que terminam neste domingo em
Campinas, São Paulo.
O que está em pauta no congresso é a tese -já defendida por
uma parcela dos médicos- de
que o componente psiquiátrico e
psicológico está presente em muitas enfermidades. Não se trata
apenas de uma visão psicossomática (que abrange os problemas físicos desencadeados ou agravados pelas emoções), mas da necessidade de os especialistas entenderem o básico de psiquiatria,
e de os psiquiatras compreenderem outras especialidades.
Há três anos, a Sociedade Brasileira de Psiquiatria Clínica vem
oferecendo cursos a outros médicos devido a essa preocupação
(leia texto na página). "Há cinco
anos, essa integração não podia
sequer ser imaginada", diz Eurico
Pereira Neto, 50, presidente da
Sociedade Paulista de Psiquiatria
Clínica. Apesar das mudanças, ele
diz que a maioria dos médicos
ainda não está atenta a fatores que
extrapolam sua especialidade.
"Um paciente que passe por dez
médicos com queixa de estresse,
diz que está dormindo mal e desinteressado no trabalho, sairá
com dois ou três medicamentos,
mas nenhum deles perguntará
como vai sua vida sexual", diz.
O presidente do congresso,
Dorgival Caetano, professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas), diz que
um caso leve de depressão, por
exemplo, pode ser tratado por
qualquer especialista médico,
desde que ele esteja preparado.
Diante de um problema grave, o
médico pode encaminhar o paciente ao psiquiatra.
"Mas médicos não psiquiatras
ainda têm um certo preconceito
em relação ao transtorno mental.
A depressão, por exemplo, é vista
como fraqueza", diz Caetano. Alguns profissionais temem a reação do paciente a uma sugestão de
consulta ao psiquiatra- algumas
pessoas podem se sentir estigmatizadas diante dessa sugestão.
Os transtornos mentais podem
ser o "gatilho" ou o agravante de
problemas de saúde. Também
podem afetar a evolução de uma
doença ao prejudicarem o segmento do tratamento pelo paciente. Mas nunca, isoladamente,
causam um problema físico.
Um exemplo: dois grupos de
pacientes com câncer foram
acompanhados nos EUA. Um tinha depressão severa, outro não.
Os índices de mortalidade em cinco anos de acompanhamento foram até duas vezes maiores no
grupo que tinha a doença psiquiátrica associada ao câncer.
Várias das mesas do congresso
chamam a atenção para a depressão, que atinge 5% da população
de forma silenciosa e devastadora. Quando não diagnosticada e
não medicada, pode levar ao suicídio. Ou agravar uma série de
outras doenças.
A dor é outro tema em destaque. Pereira relata a experiência
própria de um câncer diagnosticado quatro anos atrás e que ,durante um ano, provocou grande
sofrimento. "Fui cuidado por excelentes profissionais. Mas a dor,
que para mim foi um grande tormento, para esses especialistas era
apenas um detalhe."
Texto Anterior: Colégio do Estado tem salas ociosas Próximo Texto: Paciente deve ser visto na totalidade Índice
|