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SP 450
Mais famoso sambista de São Paulo, Nenê da Vila Matilde viveu a época de ouro do Carnaval de rua da zona leste da cidade
O homem que ensina samba
CYNARA MENEZES
FREE-LANCE PAR A FOLHA
Aos 82 anos, Alberto Alves da Silva, o
Nenê da Vila Matilde,
pode ser considerado
um Sísifo do Carnaval
paulistano. Se o mito
grego estava condenado pelos deuses a
empurrar eternamente um rochedo morro
acima, a divina, dionisíaca tarefa de "seu"
Nenê parece ser provar, fevereiro após fevereiro, que São Paulo
não é "o túmulo do
samba".
A definição, que teria sido cunhada por
Vinicius de Moraes
(1913-1980), jamais foi
esquecida, para desgosto do carnavalesco
mais famoso da cidade. "Os cariocas têm preconceito com o samba
feito aqui e um pouco de dor-de-cotovelo, também", provoca.
Para comprovar, conta que,
quando a escola que leva seu nome foi se exibir ao lado das campeãs cariocas, em 1985, o que se
ouviu teriam sido comentários do
tipo: "Puxa, como é que esses
paulistas trabalham tanto e ainda
sambam assim?".
Fundada em 1949, 11 vezes campeã, a Nenê de Vila Matilde é a terceira mais antiga escola de samba
da capital paulista. Só perde, diz o
sambista, para a Elpídio, que durou de 1925 a 1942, e a Lavapés,
fundada em 1938, ainda ativa.
Nascido em Santos Dumont,
Minas, Nenê veio para São Paulo
aos 10 anos de idade, em 1931. Os
nove primeiros meses foram passados em Itaquera; depois, a família se mudou para a vizinhança de
Vila Matilde e Vila Esperança, zona leste, onde o carnavalesco vive
até hoje. Embora viesse do interior, o que mais o menino estranhou na cidade grande foi a falta
de energia elétrica na região onde
foi morar. "Aqui era tudo mato e
na base do lampião."
Surgido na década de 1920, o
bairro de Vila Matilde começou a
ser povoado nas terras de uma
certa dona Escolástica Melchert
da Fonseca (nome de rua por lá),
que, segundo se conta, tinha uma
filha chamada Matilde.
VILA ESPERANÇA
VILA MATILDE
A estação de trem, inaugurada
em 1921, foi desativada há três
anos e está abandonada e suja, alvo dos pichadores. "Deviam reformar, faz parte da história do
bairro", defende. Em compensação, há 15 anos a Vila Matilde,
com mais de 90 mil habitantes,
possui duas estações de metrô: a
que leva seu nome e a Guilhermina-Esperança.
Nas ruas sem calçamento, o menino Nenê brincava de escorregar
na lama nos dias de chuva e de jogar "cacheta" (jogo de cartas) a dinheiro nos mais ensolarados. As
casas e sobrados, até hoje maioria
no bairro, só foram receber grades de 20 anos para cá. Antes, as
janelas viviam abertas. "Hoje tem
ladrão demais", diz Nenê.
O pai Aldantino, carioca, conhecido como "Mulato Véio", influenciou os filhos no gosto pelo
samba: Zé Pretinho, Iaiá (já mortos), Nenê e Didi, 78, que ainda toca bateria e é destaque na escola.
O primeiro pandeiro, instrumento favorito de Nenê, foi confeccionado por ele mesmo, aos
nove anos, com uma lata de goiabada e uma dúzia de tampinhas
de garrafa amassadas, onde batucava o samba de 1935: "Estão batendo/ Se for comigo diga que não
estou/ É a mulata que há pouco
tempo você abandonou".
Para desespero da mãe, Nenê se
interessou mais pelo pandeiro do
que pelos estudo. Logo seu pai iria
lhe dar de presente um instrumento novinho, que, ferroviário,
encontrou esquecido num banco
do trem. Em 1940, em um show de
sambistas cariocas da Portela (escola co-irmã da Nenê, que também tem as cores azul e branco)
na rádio Tupi, conheceria a cuíca.
"Aquilo me encantou: o surdo,
o tamborim, o pandeiro. Quando
a cuíca entrou, virou um baticumbum do inferno. Que coisa linda a
cuíca!", diz o sambista.
O "couro comia" na Vila Matilde e na vizinha Vila Esperança no
Carnaval. As duas vilas nasceram
e cresceram juntas, cada uma de
um lado da linha de trem da antiga Central. Havia uma passagem
unindo a Vila Matilde à Vila Esperança até os anos 60, quando foi
construído o viaduto
Dona Matilde, ligando os dois bairros. A
inauguração da avenida Radial Leste, que
terminava lá, deixou-os mais acessíveis.
O foco da folia era
mesmo do lado da Vila Esperança. No dia
seguinte ao cortejo
oficial da cidade, a
Nenê da Vila Matilde
sempre desfilava ali,
descendo o viaduto.
As ruas ficavam tomadas pelos foliões.
"Foi o povo mais carnavalesco de São Paulo", diz Nenê.
Adoniran Barbosa
compôs uma marchinha em que cita a folia
na região: "Vila Esperança/ Foi lá que passei/ O meu primeiro
carnaval", diz a letra, imortalizada
na versão do grupo Demônios da
Garoa.
O antigo largo da Igreja, hoje totalmente modificado, era tido como a "Praça Onze" (centro da folia no Rio de outrora) do Carnaval
paulistano, com a multidão dançando nas ruas.
Na rua Gilda, onde ainda funciona o colégio Monsenhor Passalacqua, que "educou todo o bairro", os foliões desciam cantando o
sucesso de 1937: "Quero chorar/
Não tenho lágrimas/ Que me rolem na face pra me proteger...". As
batalhas de confete tomavam
conta da rua Otília, no clube Guarany, com seu time de futebol modesto e seu cordão animadíssimo.
O clube "Vasquinho" foi substituído por um edifício, bem perto
de onde surgiu a escola, no largo
do Peixe. Atualmente a quadra da
Nenê está para os lados da próxima Vila Salete. Também famoso
por seu Carnaval, o extinto "Cinco de Julho" influenciou em um
dos nomes cogitados para a escola: por causa do dia da fundação
(1º de janeiro de 1949), pensou-se
em "Um de Janeiro".
BATALHAS CONSTANTES
Acabou se tornando Nenê de
Vila Matilde porque o então "Nenê do Pandeiro", instrumento debaixo do braço, apareceu na hora
em que iam registrar a escola, e alguém teve a idéia de perguntar:
"Como você se chama, rapaz?". E
Nenê, 27, virou nome de escola de
samba.
Presidente da escola desde sua
fundação, em 1997 passou o comando para seu filho mais velho,
Betinho, 46. Não foi a Nenê, porém, o ganha-pão do sambista,
mas o trabalho como metalúrgico
no Brás, durante 27 anos.
Se não deu dinheiro, o Carnaval
trouxe felicidade: foi em um baile
de mascarados que Nenê conheceu Maria Tereza, sua companheira por 30 anos e mãe dos três
filhos. Morta em 1987, ela não
sambava, mas ajudava em tudo.
"Essas coisas, se não tiver mulher
junto, não funcionam", diz Nenê.
"Ai do carnavalesco que casar
com uma mulher chata!"
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