|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CÁPSULAS LETAIS
Parentes tomaram comprimidos manipulados para combater dor de artrite em Itabuna (BA)
Overdose faz três mortes na mesma família
DA REPORTAGEM LOCAL
Marcos dos Santos Félix, mecânico de automóveis, chora ao
mostrar o velho Maverick amarelo em que costumava namorar
a mulher, Carolina Giroto Marinho Félix. Com falta de ar, vômitos e diarréia, Carolina morreu
em 17 de maio. Tinha 48 anos, 28
de casada, três filhos e dois netos. No CTI do Hospital Santa
Cruz, em Itabuna, sul da Bahia,
onde agonizava, Carolina pediu
ao marido que descobrisse o que
dizimava sua família.
Em seis meses, o mecânico
perdeu três parentes. Dois conhecidos também foram parar
no CTI -sobreviveram. A série
começou em 20 de novembro de
2003, quando o marido da cunhada, José Dantas Araújo entrou em coma. Morte indeterminada, dizia o atestado de óbito.
Então foi a vez de Liliane, 18, filha de José Dantas Araújo. Em 6
de maio, ela passou mal e morreu no dia seguinte.
Carolina e Félix foram à missa
de sétimo dia de Liliane. Cansada, a mulher chegou em casa
triste e com dor no joelho. Duas
horas depois, entrava em coma.
Dois dias no CTI e estava morta.
Como passou o dia com a mulher, Félix teve condições de reconstituir seus últimos momentos. Lembrou-se, por exemplo,
que ela tomou um remédio para
a dor no joelho. Foi a pista.
Recuperando relatos dos sobreviventes e sobre os que morreram, Félix percebeu o denominador comum: antes de entrar
em coma, todos haviam ingerido um remédio manipulado.
A tragédia pode ser reconstituída partindo-se de um ano
atrás, quando José Dantas Araújo, sentindo dores crônicas nas
costas e pernas, foi ao doutor
Edson Dantas (eles não são parentes), que lhe prescreveu um
remédio manipulado. Também
indicou-lhe a farmácia magistral
Pharmakos, de sua filha, Tatiana, 21, estudante.
Algo deu errado com o vidro
manipulado no dia 18 de novembro de 2003. Dantas tomou
um comprimido no dia 19 e
morreu no dia 20. Os outros seguiram tomando o remédio,
sem relacioná-lo ao ocorrido.
O mecânico enviou alguns
comprimidos para análise no
Instituto Nacional de Controle
de Qualidade em Saúde, o
INCQS. Abertas as cápsulas bicolores (azul claro e escuro), ficou constatado que elas continham uma associação de piroxican com colchicina, uma droga
para tratar artrite.
Pela receita médica, cada comprimido deveria conter 0,5 miligrama de colchicina. Mas elas
continham 42 miligramas, ou 84
vezes mais.
O laudo do INCQS conclui:
"Os sintomas clínicos descritos
são compatíveis com superdosagem de colchicina." Marcos Félix vive à custa de medicamentos
e diz que vai até o fim para punir
os responsáveis pelas mortes.
Outro lado
O médico Edson Luiz Ramos
Dantas, 50, pai de Tatiana, a proprietária da Pharmakos, diz que
as cápsulas de piroxicam com
colchicina "certamente foram
violadas e tiveram seus teores
ampliados até doses tóxicas".
"José Dantas era meu paciente
havia mais de dez anos. Ele mandou aviar em quatro oportunidades a receita que lhe passei.
Foram 15 comprimidos de cada
vez, num total de 60. Por que só
agora deu problema?", pergunta. "Estou processando o Marcos
Félix por danos morais. A Pharmakos tinha dez anos, sem ocorrência alguma que a desabonasse", diz o médico, recém-eleito
vereador de Itabuna.
Ao ser perguntado sobre a
possibilidade de se comprar a
colchicina pura, para "aditivar"
cápsulas terapêuticas, transformando-as em veneno, o médico
disse: "Não. Só farmácias podem
comprar esse princípio ativo em
altos teores."
(LC)
Texto Anterior: Botica moderna: Regulamentação de farmácias magistrais é falha Próximo Texto: Botica moderna: Setor cria programa e certificado de excelência Índice
|